por Victor Hugo Pereira Gonçalves[1]
1. Introdução
Um assunto muito pouco estudado, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, refere-se ao sistema de provas e a verdade instituído pelo novo Código de Processo Civil. Dos diversos livros e jurisprudências que saíram desde a vigência da lei, não há um estudo mais detido e específico sobre este tema, o que não é novidade. No antigo Código de Processo Civil de 1973, da mesma forma, em mais de 40 anos de vigência, o tema das provas, em seus aspectos axiológicos e científicos, era relegado e reduzido a convenções sociais e históricas, que traduziam um “senso comum” probatório, o qual satisfazia ao sistema procedimental do processo em papel.
Contudo, com o advento do Procedimento Eletrônico, a partir de 2007, tal postura da doutrina e da jurisprudência, descolada do cientificismo tecnológico e dos aspectos axiológicos do sistema de provas, que o digital exige para se construir a verdade dos autos[2], podem produzir artigos e decisões judiciais totalmente dissonantes da realidade e das práticas sociais, históricas, econômicas e tecnológicas existentes. Será que a busca da verdade material, num processo totalmente digitalizado, comporta soluções convencionais de validade e autenticidade de provas? Normas como, i.e., o art. 405 do CPC[3] se coadunam com a busca da verdade material contida no atual sistema processual? Acredito que as respostas não se impõem, mas a produção jurídica atual está longe de entender os fenômenos que estão ocorrendo nas infraestruturas tecnológicas e valorativas de produção da verdade.
Foucault (2002), em sua série de palestras no Brasil em 1974, que acabaram por se transformar no livro A Verdade e as Formas Jurídicas, estabeleceu em sua metodologia que a produção da verdade depende de condições sócio históricas atuais, em conformidade com seus poderes, saberes e tecnologias existentes. Assim, Foucault resumiu suas ideias:
“Meu objetivo será mostrar-lhes como as práticas sociais podem chegar a engendrar domínios de saber que não somente fazem aparecer novos objetos, novos conceitos, novas técnicas, mas também fazem nascer formas totalmente novas de sujeitos e de sujeitos de conhecimento. O próprio sujeito de conhecimento tem uma história, a relação do sujeito com o objeto, ou, mais claramente, a própria verdade tem uma história”[4].
Como a deontologia é insuficiente para explicar o fenômeno jurídico do sistema de provas, tanto no seu viés material quanto no formal, deve-se socorrer da multidisciplinariedade para construir a busca da verdade dentro das lindes de um processo judicial totalmente digital. Como produzir, dentro da perspectiva metodológica foucaultiana, a verdade dentro do atual sistema de provas judicial? Existem parâmetros técnicos e jurídicos para a legitimação destes procedimentos no sistema jurídico? A partir de quais referenciais técnico-jurídicos será construída a verdade do Processo? Há possibilidade efetiva de se construir verdade material no processo civil digital? A busca da verdade material depende da infraestrutura para ser construída?
Diante da miríade de possibilidades existentes, não vemos um norte a ser apontado no novo Código de Processo Civil, muito menos nas práticas do Tribunais judiciais, em que ambos preferem ignorar a ars techinica dentro dos princípios constitucionais do devido processo legal, ampla defesa e contraditório.
No CPC existem mais de 165 artigos que fazem referências diretas a produção de prova dentro de um processo judicial, ou seja, mais de 15% do CPC trata da questão probatória. Neste cálculo deveriam se colocar, mas não estão por questão de método, as normas adjetivas que necessitam do conceito implícito de prova para se relacionarem, por exemplo, só é legítimo para ser parte de um processo de inventário quem é cônjuge, descendente ou ascendente do falecido. Ao ingressar com a ação, o suposto herdeiro tem que provar com documentos, no caso certidão de nascimento ou casamento, que é realmente ligado ao falecido.
Ao enfrentar estes problemas relativos à formação da prova, ou seja, aquele conjunto de elementos, digitais ou não, e que, em algum momento processual, se tornarão documentos digitalizados, que deverão ser estáticos e inalteráveis, dentro de um contexto relacional jurídico e com carga valorativa, verifica-se que não há nenhuma infraestrutura jurídica ou tecnológica montada ou preparada para desenvolver e partilhar estes conhecimentos em toda a cadeia de atores (magistrados, cartorários e advogados), auxiliares (peritos) e usuários (cidadãos).
No antigo processo judicial em papel, era de conhecimento comum as tecnologias de reconhecimento de assinatura, falsificação de documentos, adulteração, enfim, era possível inferir probabilidades de má formação da prova juntada aos autos. Contudo, tal inferência, em tempos de tecnologias da informação e comunicação, torna-se impossível sem um aparato tecnológico e procedimental para a verificação da confiabilidade dos documentos digitais e da veracidade dos conteúdos neles inseridos.
Diante deste quadro em que a necessidade tecnológica determina certas práticas, que não estão sendo realizadas nem pensadas em serem implementadas, é com grande urgência que se deve discutir a formação das provas digitais dentro do novo contexto imposto pelo Código de Processo Civil e a realidade vivida por todos na era das tecnologias de informação e comunicação.
2. As Garantias Constitucionais na Produção de Provas Digitais: Não há verdade sem procedimentos
Há um problema que assola o Poder Judiciário atualmente e que não é enfrentado por todos os envolvidos: a questão dos procedimentos técnicos e jurídicos para a realização de provas digitais.
Muitos dos problemas existentes perpassam uma série complexa de situações e normas que não obedecem as melhores práticas tecnológicas e jurídicas. Alguns julgados passam ao largo de questões importantes e que alteram substancialmente o rumo da verdade dos autos. Aliás, é princípio básico de um processo judiciário a construção da pacificação social por meio de procedimentos claros e transparentes, que produzam uma verdade consistente e plausível. Só se constrói esta verdade, nos dias atuais, na confluência entre o conhecimento jurídico e a racionalidade tecnológica.
Apesar destes requisitos principiológicos, que sempre permearam o processo judiciário, com o advento da internet e da virtualização dos procedimentos processuais, algo se perdeu no meio do caminho da racionalidade tecnológica. O Poder Judiciário, por deficiências históricas que lhe são inerentes, principalmente as que tocam a eficiência e celeridade processual, assumiu a tecnologia como meio para superar estas situações negativas. Fia-se o Poder Judiciário no pensamento baseado no triunfalismo tecnológico que, a seu ver, sanará todos os problemas de má gestão e administração da Justiça no Brasil. Diante deste triunfalismo tecnológico, já criticado anteriormente[5], vários erros vêm sendo cometidos diariamente e, não raro, em detrimento de conquistas históricas e sociais refletidas nos direitos humanos.
E não se coloca aqui, como problematização, o axioma de celeridade e busca da verdade, tal como ressalta José Carlos Barbosa Moreira: “nem o valor celeridade deve primar, pura e simplesmente, sobre o valor verdade, nem este sobrepor-se, em quaisquer circunstâncias, àquele”[6]. A falta de se pensar no que as mudanças tecnológicas e jurídicas afastam as considerações entre celeridade e verdade. Não há reflexões, pesquisas ou práticas relacionadas com a implantação da virtualização do processo, tanto em termos quantitativo como nos aspectos qualitativos. Melhorou a qualidade das decisões judiciais? Em quanto tempo diminuiu-se a duração do processo? Houve diminuição dos custos? Tais respostas ainda não foram produzidas institucionalmente, mas a experiência como usuário dos processos digitais não tende a apontar melhoras na qualidade das decisões, no cumprimento de procedimentos ou na tão propalada celeridade processual. Acabou-se por construir mais obstáculos e problemas a todos envolvidos na lide diária do processo judicial.
A despeito disto, escolhas técnicas mal direcionadas e formuladas estão reificando os mesmos problemas de ineficiência e lentidão do Poder Judiciário com o aditivo mais perigoso: caminhos escolhidos que vão contra direitos humanos conquistados e que são refletidos em princípios processuais. Princípios processuais estes que são a garantia da cidadania contra a arbitrariedade e que estão sendo afrontados, por exemplo, por escolhas tecnológicas inadequadas. Princípios do devido processo legal, da informação, de acesso ao judiciário, de petição, de ampla defesa e contraditório, dentre outros, são diariamente atacados por softwares e sítios feitos por engenheiros que não vivem diariamente o Poder Judiciário, o processo judicial e não entende todos os seus atores (juízes, advogados, cartorários e cidadãos).
A suposta celeridade conquistada não se constrói em busca da pacificação social, pois a verdade dos autos, principalmente nas questões relativas à perícia forense em sistemas informatizados, fica prejudicada e inviável de ser construída materialmente. A verdade formal do processo se sobrepõe à verdade material, que somente é obtida pelo emprego de procedimentos da melhor técnica conhecida somados ao respeito aos direitos humanos processuais.
E, nesta busca do equilíbrio necessário à construção da verdade material dos processos, todos os atores envolvidos têm falhado continuamente. Vários fatores podem ser apontados como símbolos destas falhas: falta de compreensão das técnicas e tecnologias envolvidas nas construções de softwares e sistemas de gerenciamento; falta de treinamento destes atores nas ferramentas e escolhas tecnológicas implementadas; a exclusão digital da maioria dos atores envolvidos; falta de profissionais qualificados para desenvolverem estas interfaces entre o jurídico e o tecnológico; ausência de diálogos consistentes entre os atores envolvidos; falta de parâmetros procedimentais tecnológicos e jurídicos para o desenvolvimento de perícias, incluída as de sistemas informatizados, etc.
As complexidades acima trazidas podem gerar inúmeros artigos e estudos, contudo, pela falta de espaço e numa tentativa não reducionista mas simples de lidar com todos estes problemas, há que se introduzir os direitos humanos como parâmetro inicial para desenvolver políticas e práticas procedimentais corretas e constitucionais de produção de provas digitais. Assim, a técnica, dentro da visão jurídica, tem de se adequar aos ditames e parâmetros definidos pelos direitos humanos e não o contrário, como tem ocorrido desde a implantação da Lei de Processo Eletrônico (Lei n. 11.419/2006).
O Poder Judiciário ignora que diante das tecnologias de informação e comunicação a sua estrutura teria de ser organizada de forma diferente para atender novos tipos de produção de conhecimento. Não há ainda no Poder Judiciário uma estrutura de cadeia de custódia transparente de recolhimento e guarda de dispositivos informáticos. Não raro, vê-se peritos, policiais e cartorários carregando dispositivos informáticos para suas casas sem o devido cuidado com a preservação das provas e o cumprimento da inviolabilidade dos equipamentos. Qual é a garantia que o investigado ou réu tem de que os documentos existentes não foram adulterados ou violados? Não há garantias.
Não há procedimentos instituídos para como se deve recolher, colher, guardar, manter e produzir provas digitais íntegras em processos judiciais. Como haverá pacificação social e a construção da verdade por meio do processo judicial sem transparência das regras de produção de provas[7]? Não se sabem aonde estão as provas, com quem estão, se existem procedimentos sigilosos e confidenciais de guarda, enfim, o Poder Judiciário, que deveria garantir o devido processo legal com transparência, não tem estrutura mínima para determinar e assegurar o efetivo cumprimento das normas que deveria seguir.
Neste passo, a norma processual que determina, por exemplo, que “o juiz apreciará o valor probante do documento eletrônico não convertido, assegurado às partes o acesso ao seu teor” (art. 440 do Código de Processo Civil), não enfrenta algumas questões óbvias: quem guardará este documento eletrônico para as partes terem acesso? Estão protegidos? Quais são as normas de segurança de informação que protegem a integridade do documento eletrônico?
Este não é problema de uma norma adjetiva e sim de várias, as quais deveriam resguardar os direitos das partes na construção de um processo justo e verdadeiro. O legislador do Código de Processo Civil instituiu normas que não enfrentam ou regulamentam questões práticas, o que pode levar a uma panaceia de possibilidades e regramentos que estão fora dos controles de todos os atores envolvidos na produção de provas digitais. Não há uma sistemática definida que atenda atores de São Paulo ou do Maranhão. E tal sistemática deve atender as diferenças econômicas e regionais no que é facilmente possível de se conseguir.
Estas situações práticas interditam e inviabilizam a efetividade das garantias constitucionais de processos justos, equânimes e com segurança jurídica. São questões teoricamente simples e que teriam alcance amplo e que estão completamente ignoradas na legislação e na construção do conjunto probatório. A sensação é a de que todos os procedimentos instaurados têm uma vida autônoma e totalmente dissonante do que é acesso efetivo à justiça, ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa.
Assim, verdade dos autos[8], sem a regulamentação dos procedimentos, não enfrenta uma condição ontológica mínima de existência, o que Tomás de Aquino definiu como: “verdade de uma oração consiste em seu acordo (ou correspondência) com a realidade”[9]. A correspondência deve ser estabelecida por padrões, procedimentos entendidos e estabelecidos a priori, independentemente do que pode ser construído pelas partes[10].
Mesmo quando existem regulamentos ou resoluções para se realizarem provas digitais, elas não constroem práticas compatíveis com os princípios processuais constitucionais e com os direitos humanos dos que são investigados ou partes de um processo judicial.
2.a. A Teoria de Shylock
Os direitos humanos[11] não são absolutos e somente podem ser restringidos mediante ordem judicial fundamentada para tanto, tal como estabelecido no Marco Civil da Internet em seu art. 7º[12]. Os limites a serem impostos aos direitos fundamentais estão relacionados ao que se quer investigar, como e com quais ferramentas, e ao princípio da intervenção mínima para alcançar os objetivos necessários. É neste duplo conceitual de limitações em que a racionalidade tecnológica e os direitos humanos devem construir a verdade material dos processos judiciais, a que chamo de Teoria de Shylock.
Shylock é um judeu agiota da história de William Shakespeare, o Mercador de Veneza. A história baseia-se na relação de Antônio, um grande comerciante veneziano, que realiza um empréstimo com Shylock e promete pagar num determinado dia. Por força maior, o carregamento de produtos de Antônio afunda no Mediterrâneo e ele não consegue pagar a dívida com Shylock. Este, que possuía um ódio muito grande contra Antônio, em vez de cobrar juros do descumprimento, requereu, tal como inscrito na nota promissória, o coração de Antônio. Este tentou afastar esta cláusula, no que foi rechaçado por Shylock, que quis executar o contrato.
O caso foi para o Judiciário. Àquela época era permitido este tipo de cláusula penal, que podia ser executada via judiciário. Depois de inúmeros debates, Shylock, inabalável no seu direito de se fazer cumprir a obrigação, informou ao juiz do caso que iria prosseguir com a execução do coração de Antônio. O juiz argumentou que, se fosse executado o contrato, este teria que cumpri-lo à risca e dentro dos limites impostos pela letra da lei entre partes que assegurava o seu direito. Assim decidiu o juiz da causa:
“Um momentinho, apenas. Há mais alguma coisa. Pela letra, a sangue jus não tens, nem uma gota. São palavras expressas: “uma libra de carne. Tira, pois, o combinado: tua libra de carne. Mas se acaso derramares, no instante de a cortares, uma gota que seja, só, de sangue cristão, teus bens e tuas terras todas, pelas leis de Veneza, para o Estado passarão por direito”.
O sangue não estava escrito no contrato como multa pelo descumprimento, somente o coração. Assim, a letra da lei, que foi o acordo entre as partes, não poderia ser cumprida com o derramamento de sangue, que não estava inscrito nela. O sangue, simbólica e juridicamente, era o excesso da execução do detentor do direito. E este excesso deve ser restringido e coibido, como o foi na peça.
Assim, o caso literário de Shylock, conceitualmente, aplica-se a todos os casos de produção de provas digitais, pois, desde o pedido inicial até o cumprimento do mandado, em toda a cadeia procedimental que leva até a obtenção da prova, de forma lícita, os envolvidos deverão realizar as práticas que respeitem este binômio: melhores práticas técnicas e respeito aos direitos humanos fundamentais.
Se o coração tecnicamente não pode ser obtido sem o sangue, não há como se implementar mandado de execução. A racionalidade inviabiliza a continuidade da perícia. Logicamente, esta questão do Shylock se fosse aplicada à luz dos direitos humanos não poderia nem ser aventada a possibilidade de se executar o coração de alguém, já que fere o princípio máximo da dignidade da pessoa humana[13] albergado em todos os tratados internacionais e no art. 1, inc. III, da Constituição brasileira de 1988. É no exercício desta lógica estratégica que uma produção de provas digitais, principalmente em perícia em sistema informatizados, sempre deve ser realizada e, para tanto, deve-se buscar as melhores técnicas (jurídica e tecnológica) para se construir o caminho da verdade material dos autos.
O STJ, aplicando a Teoria de Shylock, ao contrariar o acórdão do TJSP, estabeleceu que o mandado judicial tem de ser específico para poder acessar o conteúdo dos celulares, sob pena de nulidade[14], o qual foi aplicado naquele caso, num processo que durou mais de 4 anos para se chegar a este ponto.
Esta decisão é um alento na persecução criminal e que deveria ser base para todos os julgados. Contudo, é uma exceção em todo o sistema judiciário que avalia mais o caso pela sua repercussão social do que pela preservação da cadeia de licitude das provas[15].
Infelizmente, na maioria das vezes, nas perícias em sistemas informatizados, em tempos de procedimento eletrônico realizadas no Poder Judiciário, estão sendo desconsiderados os direitos fundamentais e até as melhores práticas (jurídicas e tecnológicas). Exemplos não faltam de total despreocupação com os métodos rigorosos de pesquisa científica que determinam quem é legítimo processual ou não, condenados e inocentes, vitórias ou derrotas em indenizações, etc..
Em alguns casos, o Judiciário, guardadas as devidas proporções, para executar determinados direitos ou prisões de supostos criminosos tem tirado coração com sangue, braços, pernas, etc.. Caso que demonstra isto é o da atriz Carolina Dieckman, que deu desencadeou uma lei de crimes informáticos. Em investigação não muito clara e totalmente arbitrária, foi preso alguém que, a priori, poderia ter divulgado as fotos de nudez desta atriz na internet. Qual foi o procedimento empregado à captura deste suposto acusado? As máquinas de investigação invadiram dados pessoais do acusado? Houve invasão de privacidade? O mandado judicial determinou corretamente o que estava sendo investigado e orientou a busca de provas? Nada disto foi informado nem qual foi o procedimento aplicado para a captura do acusado e nem mesmo se a própria vítima se expôs a esta situação.
A título de exemplo, nos casos de pedofilia infantil na internet existem inúmeros problemas investigativos que vão desde o despacho judicial até a conclusão do processo na sentença. Todos os mandados deste crime devem obedecer os direitos fundamentais de forma específica e clara, a fim de determinar que tipos de arquivos a investigação requer, ou seja, não limitados a estes, os arquivos de imagens e vídeos e quais são os requisitos técnicos mínimos para a coleta. Contudo, não raro, os peritos, sem quaisquer procedimentos traçados e acordados, abusam do direito atribuído à busca e apreensão e amealham arquivos nas extensões pdf, word, exe, odt, ODF, ppt, etc., sem justificar tecnicamente se estavam capturando imagens e vídeos dentro destes formatos e qual tecnologia estavam aplicando.
Assim, algumas situações são verificadas: os peritos não determinam as ferramentas que irão utilizar; não bloqueiam a comunicação da entrada USB; não determinam e divulgam as técnicas de espelhamento do HD necessárias para o desenvolvimento da investigação pericial, enfim, uma série de situações que inviabilizam a integridade jurídica e técnica da prova. Diante disto, estas perícias extrapolam os limites técnicos e acabam por invadir direitos fundamentais dos envolvidos e dos não envolvidos, por não respeitarem o devido processo legal, a ampla defesa, o contraditório, além dos princípios da segurança jurídica e tecnológica. Ada Pelegrini Grinover também se alinha a este meu posicionamento ao cravar que “são inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais”[16].
Vê-se claramente que a Teoria de Shylock, ou seja, a busca do desenvolvimento das melhores práticas tecnológicas com respeito aos direitos humanos, deve servir de parâmetro de atuação para todos os atores de processos extrajudiciais e judiciais, a fim de que a produção de provas digitais sejam íntegras, autênticas e válidas para ensejarem decisões verdadeiras e justas.
Produção de provas digitais negligentes ou fora de parâmetros procedimentais rígidos podem construir documentos digitais falsos que destruirão a vida de seres humanos, que se tornam duplamente vítimas de sua ignorância e do despreparo dos atores (peritos, juízes e advogados) que deveriam aplicar os melhores métodos tecnológicos e jurídicos e não o fazem.
2.b. Da Interceptações de Dados[17]
Esta situação de total preocupação com a produção de provas digitais encontra-se também na interceptação de dados digitais. Com a interpretação trazida pela Lei n. 9.296/1996 (Lei de Interceptação de Comunicações Telefônicas), de que é permitida a interceptação de dados, o que foi reforçado pelo seu art. 10[18], juntamente com a redação do Marco Civil da Internet, principalmente nos arts. 10, 11 e 15, a realidade descrita anteriormente do Poder Judiciário de total incapacidade estrutural e tecnológica para a guarda de dispositivos informáticos é elevada ao cubo com esta possibilidade de que se possa realizar estas práticas de recolhimento compulsórios dos dados pessoais dos cidadãos.
O Brasil é o país que mais faz interceptação de dados no mundo. São 1,06 pedidos por minuto[19]. São tantos os pedidos que as operadoras afirmam que não atendem todos por não estarem de acordo com o que determinam as regras da Lei de Interceptação de Comunicações Telefônicas:
Nem todas as demandas, no entanto, são atendidas. Eduardo Levy, presidente-executivo do Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel Celular e Pessoal (SindiTelebrasil) explica que existe um rito descrito na lei 9.296/96. “Se o pedido não vier conforme esta lei, as operadoras respondem que não podem atender o pedido pois não segue as exigências legais”, diz. Além disso, todo pedido feito passa a constar de um cadastro, em que ficam listadas as autoridades responsáveis pelo pedido e recebimento dos dados[20].
A questão que salta aos olhos numa declaração dessas é: como alguém concedeu uma liminar de interceptação de dados pessoais de maneira ilegal? Como é que o sistema judiciário pode produzir provas de forma ilegal? Quem controla este enxame de decisões liminares sem quaisquer garantias constitucionais? E, ao final de tudo, percebe-se que estes dados trazidos, de que o Brasil é o país mais intercepta dados no mundo, realça a traços fortes um estado de vigilância constante que não cria e não tem, ou são fracos, os controles instituídos para evitar as invasões e a destruição das garantias constitucionais dos cidadãos.
Neste sentido, e numa tentativa de construir questões mais propositivas, quais são estes controles instituídos e por quê eles não garantem os direitos dos cidadãos ou, pelo menos, impedem este exagero institucional? Os procedimentos instituídos pela Lei de Interceptação de Comunicações Telefônicas trazem desenhos não muito bem definidos e altamente discricionários.
Em matéria penal, a discricionariedade, não raro, é um espaço aberto ao arbítrio e à ilegalidade. Ao se ampliar muito as possibilidades de se executar uma norma processual penal, o princípio da legalidade estrita é sempre tomada de assalto por práticas que fogem do espírito constitucional e legal.
O procedimento inicial para a concessão da medida liminar foi instituído em termos negativos direcionados ao juiz da causa, ou seja, determina-se quando não será realizada a interceptação de dados. Assim, a lei determina que não será concedida a liminar para a interceptação de dados quando “não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal”, se a “a prova puder ser feita por outros meios disponíveis” ou o se o “fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção”, conforme o art. 2º da Lei de Interceptação de Comunicações Eletrônicas.
A liminar não deve ser concedida quando não houver indícios razoáveis de autoria ou participação. O que seria razoável? A razoabilidade é dada pela investigação ou pelo teor do caso? Em muitas situações presenciadas por mim, vejo que é ao teor da acusação o peso axiológico maior para se decidir sobre a razoabilidade da medida, principalmente nas investigações que envolvem pedofilia infantil na internet. Inúmeros inquéritos policiais são formados sem a descrição exata do crime e das pessoas envolvidas, apenas fundadas em números IP (internet protocol) sem definir qual é a pessoa por trás daquele sistema telemático. Diante disto, vê-se como problemática a aplicação da razoabilidade se a investigação não responder alguns quesitos básicos, que perpassarão por estas perguntas: quais são os fatos que comprovem a autoria? Quem enviou e de onde enviou o documento? Quem fez comentário maldoso? E se os dados estiverem criptografados? Pode-se utilizar outro método de investigação?
Ao estabelecer alguns quesitos básicos de análise da razoabilidade, evitaria-se inúmeros transtornos existentes na discricionariedade deste critério legal, em que o exegeta pode atribuir maior valor a repercussão do fato do que a investigação em si.
Um caso recente muito notório, caso do radialista Mução[21], que foi preso por pedofilia infantil na internet, demonstra o quanto é preocupante esta abertura e atribuir maior valor à repercussão do fato do que a investigação em si. No caso do Mução foi autorizada pelo juízo a quebra do sigilo de dados de um endereço IP da sua casa. Sem investigações preliminares ou complementares, a Polícia Federal atribuiu a Mução a autoria do crime de pedofilia na internet, divulgando o seu nome em todos os meios de comunicação. Contudo, logo após a divulgação, mediante confissão do irmão de Mução, descobriu-se que ele era o verdadeiro criminoso. Sem entrar nos pormenores procedimentais do caso, vê-se claramente que não havia entendimento razoável de quem seria a autoria do fato, pois inúmeras pessoas poderiam utilizar ou compartilhar aquele mesmo endereço de IP, devendo-se abrir investigações complementares, após a interceptação de dados, para se determinar com correção quem realmente realizou o crime.
Em face disto, o juiz não tem responsabilidades somente na concessão da liminar, mas também no seu desenrolar e conclusão, o que efetivamente não foi o que ocorreu, e que pode gerar ações de indenização pelas consequências que o fato desencadeou à dignidade humana do investigado[22]. Em relação a isso, a responsabilidade extracontratual do Estado deve ser aplicada, bem como ilustra Celso Antônio Bandeira de Melo:
“Entende-se por responsabilidade patrimonial extracontratual do Estado a obrigação que lhe incumbe de reparar economicamente os danos lesivos à esfera juridicamente garantida de outrem e que lhe sejam imputáveis em decorrência de comportamentos unilaterais, lícitos ou ilícitos, comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos”[23].
Aí, voltando para a análise da liminar concedida, surgem dúvidas sobre a forma como as decisões são construídas, sem seguir um critério objetivo legal. Quais os critérios para definir a razoabilidade neste caso? Como foi concedida a liminar sem a investigação ser mais apurada? Em quais fundamentos? Houve punição para os investigadores por não fundamentarem a investigação nos ditames legais? Enfim, vê-se que o desenho legal não auxiliou a preservação das garantias do Mução nem sua dignidade humana, que foi achincalhada com esta investigação mal conduzida e construída.
Outro requisito para a não concessão da liminar em interceptação de comunicações eletrônicas é se as provas puderem ser feitas por outros meios. Ou seja, a investigação deve ser construída de tal forma que a interceptação de dados deve ser a última peça do quebra cabeça persecutório. Contudo, tal prática não é seguida. Exemplo claro disso é a briga hercúlea que vêm travando as autoridades policiais e o Ministério Público contra a criptografia e as comunicações via Whatsapp.
O Whatsapp tem como política de segurança de informação criptografar todas as informações dos seus usuários, a fim de que a privacidade e o sigilo das mesmas sejam protegidas nos termos legais e constitucionais. Entretanto, autoridades policiais, sob o beneplácito de magistrados, têm tentado obter a fórceps a interceptação dos dados do Whatsapp, sem criptografia, para supostas investigações criminais. A justificativas deles é a de que a investigação criminal não caminhará sem a interceptação destes dados e o desbloqueio criptográfico. Oras, se uma investigação fia-se somente numa interceptação para prender supostos criminosos, ela não é uma investigação que tem provas suficientes para seguir em frente nem fundamento para requerer a interceptação. Por uma simples razão, na maioria destes casos, o fruto do roubo, furto, o homicídio, a lesão corporal grave, a título de exemplo, é físico e não virtual. A interceptação de dados é um meio de facilitar o Estado a não investigar adequadamente de outras formas, que requerem investimentos em material e pessoal muito maiores. É também uma desculpa do Estado brasileiro investir no vigilantismo mais barato e invasivo das interceptações sem quaisquer restrições ou limites. Neste sentido, a polícia e o Ministério Público contam com o auxílio dos juízes que têm sido muito condescendentes com os seus pedidos, pois focam apenas na análise da repercussão do fato e não no desenvolvimento de um procedimento investigatório com base nos princípios constitucionais e direitos humanos.
Em recente doutorado defendido na FGV, Luciana Zafallon verificou que as relações entre Ministério Público Estadual, Poder Executivo e Poder Judiciário no Estado de São Paulo influenciaram as decisões judiciais pró governo num grande acordão institucional em detrimento da cidadania:
Todo o espírito da tese é justamente dizer de que maneira os interesses se confundem, de que maneira os interesses corporativos estão se sobrepondo às garantias de cidadania das pessoas mais vulneráveis do Estado, sejam as que estão privadas de liberdade, sejam as que estão nas periferias das grandes cidades e são afetadas por políticas de segurança dramaticamente cruéis[24].
Assim, constata-se que a regra do art. 2º da Lei de Interceptação de Comunicações Eletrônicas possui linhas muito amplas que não evitam as decisões abusivas, arbitrárias e ilegais, pois também não instituem punições para aqueles que transgridem as regras de concessão das interceptações de dados, quando o realizam sem atentar para todos os requisitos prescritos na lei. Deveria se instituir o crime de concessão de liminar de interceptação de dados sob premissas falsas, sem fundamentos, sem provas, sem autoria, em conformidade com o espírito processual brasileiro da busca da verdade material, que deveria ser aplicada ao magistrado ou a autoridade policial. Tudo isto para se resguardarem os direitos fundamentais dos cidadãos. As autoridades estatais devem estar conectadas e serem responsabilizadas à legalidade estrita, que não deve ser analisadas pelo resultado de seus atos e sim pelos procedimentos que levaram à conclusão do processo.
Para construir este caminho de resguardo dos direitos dos cidadãos, vislumbro como saída a posição de Kátia Magalhães Arruda, citando Canotilho, que apontou 3 dimensões da responsabilidade para implicar as autoridades judiciais e policiais às decisões que afetem a todos nestes processos que envolvem direitos fundamentais[25]:
a) a responsabilidade pressupõe o reconhecimento ao titular dessa responsabilidade, ou seja, um sujeito responsável;
b) a responsabilidade implica uma vinculação funcional, traduzida na obrigatoriedade da observação de certos deveres jurídicos;
c) a responsabilidade está articulada com a existência de sanções jurídicas (penais, disciplinares, civis) ou político-jurídicas (censura, destituição, exoneração), pelo não-cumprimento ou cumprimento defeituoso de deveres ou tarefas destinados aos agentes ou órgãos responsáveis.
Desta forma, defendo que deveria se criar uma responsabilização legal dos juízes, das autoridades policiais e peritos no que concerne ao cumprimento de procedimentos estabelecidos por lei e, nas questões de internet, das melhores práticas tecnológicas existentes, a fim de se alcançar a verdade material dos autos sem ferir os direitos fundamentais dos cidadãos.
Ao sairmos da análise do segundo requisito, aproximamo-nos ao terceiro requisito para a não concessão da medida liminar. Ele determina que a investigação não recaía sobre crimes cuja pena máxima seja a detenção. A pena de detenção é decretada para crimes considerados leves sem alta periculosidade, em que o cumprimento pode se realizar em regimes semi aberto ou aberto. Via de regra, as penas que não excedam 8 (oito) anos são penas de detenção. Assim, somente serão objetos de interceptação de dados os crimes de homicídio, latrocínio, alguns casos de corrupção, alguns crimes contra a fazenda, peculato, inserção de dados falsos em sistema, enfim, uma série de crimes que podem ser regime fechado. Por exemplo, o crime de pedofilia na internet possui como pena máxima somente a detenção, o que não ensejaria a concessão da liminar para interceptação de dados.
Esta regra é interessante mas muito pouco utilizada pelos magistrados na hora de fundamentar a decisão de concessão ou não a liminar de interceptação de dados. E em muitos casos a investigação é para um crime de baixa relevância penal, mas um apelo moral gigantesco, como são os casos de pedofilia infantil na internet. A lei presume, ao instituir esta regra, que os casos de baixa relevância penal não justificam a invasão do Estado na esfera das garantias individuais do cidadão, o que deveria ser cumprido via de regra e que não são.
Somente pela análise do art. 2º da Lei de Interceptação de Comunicações Eletrônicas verifica-se o por quê do alto volume de interceptações de dados diárias que ocorrem neste país. Nem a Resolução n. 59/2008 do CNJ[26], referente à interceptação de dados, recentemente alterada, impõe quaisquer elementos muito diferentes do que determina a Lei de Interceptação de Comunicações Eletrônicas. A Resolução somente regula os procedimentos que estas interceptações devem ser feitas pelas autoridades judiciais e policiais.
Em referência ao aspecto formal e material da interceptação em si, a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) lançou a normativa ABNT NBR 16386:2015, a qual tive a honra de participar, para regular o seu modus operandi. É uma normativa muito mais complexa e bem acabada do que a Resolução n. 59/2008 do CNJ, pois adentra às práticas e tecnologias existentes atualmente para interceptação, levando-se em conta todos os seus atores (policiais, guardiães, juízes, advogados e empresas de telefonia e internet), métodos e princípios jurídicos. Define procedimentos legais e constitucionais para se obter provas digitais advindas da interceptação de dados.
As partes mais importantes dessa normativa da ABNT são: a questão do período da interceptação, o fluxo dos dados dentro das telefônicas e o prazo que os prazos poderão ficar esperando ser recebidos pelas autoridades policiais. Em relação a este último ponto, cabe rapidamente frisar que há problemas técnicos gigantescos no envio de dados interceptados a autoridades policiais. As delegacias não possuem infraestrutura de informática e telecomunicações para manusearem as informações que são interceptadas em larga escala. Muito dos dados interceptados serão devolvidos pelas delegacias que não suportarão o volume trafegado em suas redes. Quem vai garantir os direitos fundamentais dos investigados em caso de devolução dos dados? Qual é a transparência envolvida em situações como esta? Por quê a Resolução do CNJ não enfrenta estas questões de big data? Enfim, a questão da infraestrutura de telecomunicações determinará a validade das provas digitais e a construção da verdade nos processos judiciais.
Aí, ao cabo deste recorte sobre a interceptação de dados, vê-se que a construção da verdade na produção de provas digitais, na prática, distancia-se sobremaneira do mandamento constitucional de que não haverão provas ilícitas no processo, ou seja, provas obtidas fora das garantias e direitos individuais do cidadão. Na maioria dos casos, os procedimentos para investigação não existem. Quando eles são instituídos, são totalmente opacos e abertos excessivamente a discricionariedade. E, neste ponto, as decisões, em sua maioria das vezes, são decisões que negam os direitos e garantias individuais dos investigados para se fundarem num suposto clamor social punitivo e vingativo. Reflexo disso, só para citar um exemplo, são a quantidade absurda de interceptações legais de dados existentes no país, as quais não são submetidas a nenhum tipo controle, tanto em relação a juízes quanto as autoridades policiais.
2.c. Dos Documentos Digitais e a Falta de Garantia de que eles não foram Adulterados
O ponto central deste artigo é trazer o conceito de verdade, instituído pelo art. 77 do Código de Processo Civil, com a produção de provas digitais dentro das normas constitucionais, respeitando-se as melhores práticas tecnológicas. Traçar este caminho entre o normativo e o prático, que tanto falta na doutrina e na jurisprudência atuais, é tortuoso e sem parâmetros definidos. Não há, como visto acima, uma consolidação procedimental nem institucional neste sentido. Ainda estamos lutando para entender as transformações existentes e, consequentemente, determinar um mínimo para se alterar as práticas jurídicas, judiciais ou não. Neste contexto em que há bilhões de dados existentes e várias possibilidades de se obterem provas digitais para soluções de demandas judiciais, separar as que ferem direitos fundamentais ou não, as que são ilícitas ou lícitas, as legais ou ilegais, constitui ferramental imprescindível para quem trabalha com o direito do séc. XXI.
O câmbio do papel para o digital uniu o que outrora era único e diferente. No processo analógico, o documento era papel, que não se confundia com o áudio, vídeo e que se diferenciava da imagem em algumas aspectos da forma. Agora não mais. Tudo é um só: sequência de bits e bytes, zero e um, dados. Texto, áudio, vídeo e imagem são uma coisa só, que se diferenciam pelo formato do arquivo a ser lido por um programa. É tudo digital.
Grande parte de todos os documentos produzidos atualmente nascem digitais e se transformam em papel. Os documentos que nasceram ou se transformaram em papel estão se digitalizando para melhor conservação ou para serem utilizados em processos eletrônicos, judiciais ou não.
Neste imbricamento contínuo entre o físico e o digital, cuja predominância do último é cada vez mais evidente, tem-se uma realidade que foi tergiversada pelo Código de Processo Civil, que não quis enfrentar as tecnologias de informação e comunicação nas práticas judiciais. Como lidar com o conceito clássico de documento com o documento digital? Como construir a ponte de processos feitos em papel para os totalmente digitalizados? Não há conceito de documento apresentado no CPC. Nem quando o CPC discorre expressamente sobre documento eletrônico há uma definição do que seja[27]. É tudo muito aberto e sempre no aguardo de uma lei que possa existir ou não, o qual também não é direcionada. Enfim, o CPC apenas aponta a necessidade da autenticidade dos documentos eletrônicos, que mais abaixo discutiremos.
Como não há no CPC uma definição de documento, tanto físico quanto digital, devemos, por questão metodológica, utilizar dos ensinamentos clássicos de Francesco Carnelutti que definiu cristalinamente o que é documento. Para este doutrinador italiano, “a configuração do verdadeiro documento independe do meio em que aquele está armazenado, sendo mais relevante que ele seja a representação de uma ideia ou de um fato que se pretende perpetuar”[28]. A única questão que se leva em crítica ao mestre refere-se a perpetuidade do documento digital, que depende da guarda correta do arquivo e do suporte de leitura daquele documento[29]. No papel, a questão é a vida útil e conservação[30]. Mas, do resto, todo o conceito encaixa-se na atual dinâmica dos documentos digitais, que é a representação de uma ideia ou um fato.
Diante da definição, pode-se partir para análise do que o CPC constrói como prova documental válida para procedimentos judiciais. O documento é a prova clássica de um processo judicial, cabendo ressaltar que a inicial será indeferida sem a sua juntada[31]. A importância do documento é verificada nos 35 artigos que trazem como produzi-lo ou utilizá-lo no processo judicial, além daqueles artigos que fazem referência direta ou indireta a sua existência ao longo do Código. No CPC é repetida a palavra documento mais de 131 vezes.
Neste quadro profuso de possibilidades, restringindo-se a análise para os objetivos deste artigo, será feito um recorte metodológico do conceito de construção de verdade no processo direcionando o olhar aos artigos das seções de Ata Notarial e Força Probante dos Documentos. Assim, na interpretação sistêmica e zetética, deve-se reavaliar e reposicionar os conceitos de documento e verdade, a fim de eles sejam válidos jurídica e tecnologicamente nos procedimentos eletrônicos.
2.c.1. Do Valor e da Veracidade da Ata Notarial. Questão de Segurança de Informação. Da Ata Digital
Ao longo de mais de 15 anos atuando em Direito Digital, sempre questionei e enfrentei a assunção dogmática de que a Ata Notarial é um documento válido e autêntico para se determinar a veracidade de um fato ou de um conteúdo. Nunca fiquei, fico ou ficarei satisfeito tranquilamente com a assunção de que uma Ata Notarial é um documento que tenha força probante e relevância jurídica.
Não rara vezes, vi, na prática da advocacia, inúmeras Ata Notariais serem formatadas ao sabor da clientela e sem o devido cuidado com a veracidade dos fatos. Estas Atas Notariais sempre tiveram consideração probatória e aceitação cega pelos juízes. Quase nunca eram questionadas e só o fato de terem sido lavradas por um tabelião, já era condição de veracidade mais do que aceita. Esta tradição luso brasileira nunca preencheu as minhas exigências do que seria a construção da verdade em processos judiciais.
Tal desconfiança foi ampliada exponencialmente com a Lei de Processo Eletrônico (Lei n. 11.419/2006). Com a digitalização dos procedimentos, como poderia assumir como verdadeiro uma Ata Notarial que poderia ser facilmente adulterada? Quem seria responsável pela condição de veracidade deste documento? Quais as garantias de segurança procedimental para a realização deste documento? Mais precisamente, quais os procedimentos de segurança de informação que são instituídos para a formação de uma Ata Notarial?
Diante destes questionamentos, passei a duvidar por princípio da força probante da Ata Notarial em processos eletrônicos. Não havia nenhum controle ou procedimento instituído para a formação deste tipo de documento. Contudo, tal situação está pior atualmente. O CPC de 2015, diferentemente do CPC de 1973, trouxe a Ata Notarial para o capítulo das Provas, ampliando-se ainda mais o seus status de prova judicial no seu art. 384[32].
Tal inserção foi uma surpresa desagradável tanto em termos jurídicos como tecnológicos, pois se esperava que, com o novo CPC, seria enfrentada a falta de segurança jurídica na formação das Atas Notariais em papel. E que, após 7 anos da adoção das tecnologias de informação e comunicação para os procedimentos judiciais, somados aos problemas de falta de segurança jurídica, seriam mostrados os problemas de segurança da informação desta prática cartorial brasileira. Nada foi feito. Nada foi discutido. Simplesmente o legislador, de forma temerária, reafirmou o procedimento histórico da Ata Notarial e incluiu os arquivos eletrônicos dentro do rol de possibilidades de realização deste documento.
Sem entrar no mérito das possibilidades de adulteração da Ata Notarial em papel, com relação ao digital, deve-se atentar para requisitos de segurança de informação, que são procedimentos de validação e autenticidade de documentos digitais, que raramente são atendidos. Quais cartórios possuem política de segurança de informação? Como são feitas as Atas Notariais? Há intervenção humana na inserção dos arquivos eletrônicos? Quais são as garantias tecnológicas que o tabelião oferece a quem contrata os seus serviços? Qual é o motivo de se atribuir força probante para as Atas Notariais, que não sejam só aqueles por motivos de comodidade histórica, os quais não tem relação com a integridade e segurança da informação dos documentos produzidos?
Diante destes problemas da Ata Notarial, desenvolvi há 5 anos um projeto jurídico tecnológico chamado Ata Digital[33], que visa trabalhar conceitos de segurança jurídica e de informação para a formação de documentos digitais de maneira íntegra e sem intervenção humana. Todos os procedimentos são protegidos e auditáveis. Com a Ata Digital, pode-se determinar que um documento digital foi produzido tal dia e hora. Mais do que isto, sabe-se com certeza que tal documento foi adulterado depois que foi produzido, já que o hash de segurança pode ser analisado quando alterado. Assim, implementa-se o que determinam todas as regras nacionais e internacionais de segurança da informação[34].
A Ata Digital, ao aplicar política de segurança de informação e jurídica, garante a força probatória de que o continente do documento digital seja aquele que foi apresentado ou produzido pelas partes. Assim, a verdade, que engloba confidencialidade, integridade, disponibilidade, autenticidade, irretratabilidade ou não repúdio[35], do documento digital deve ser construída em duas partes: a da forma e a do conteúdo. Com a Ata Digital, a autenticidade da forma garante que a verdade do conteúdo poderá ser melhor analisado em devido processo legal, reconhecendo-se a adulteração ou não daquele documento digital e traçando-se um recorte do tempo mais curto e perceptível de análise.
A Ata Notarial não resguarda a proteção do documento digital nem na sua formação nem após. Não há controles de verificação de integridade nem de autenticidade. Aliás, o art. 405 do CPC, mesmo diante destes problemas de segurança jurídica e de informação dos documentos digitais públicos determina que o “documento público faz prova não só da sua formação, mas também dos fatos que o escrivão, o chefe de secretaria, o tabelião ou o servidor declarar que ocorreram em sua presença”.
Ao se excluir a possibilidade de má fé na formação do documento público digital, há um outro problema que pode ocorrer com a Ata Notarial que a destitui de total confiabilidade. É notoriamente reconhecido que provedores de aplicação utilizam-se de filtros de IP para fornecerem serviços. Assim, num mesmo endereço de e-commerce, por exemplo, um usuário do Brasil tem um conteúdo personalizado em sua língua diferente do usuário da Argentina. Nesta formatação o tabelião, de seu computador, poderá estar vendo algo que não necessariamente é o que efetivamente acontece naquele endereço. Como considerar verdadeira aquela declaração? Será que o tabelião tem capacidade para avaliar o que ocorre em termos tecnológicos naquele site? Como considerar verdadeiro o conteúdo que ocorre em sua presença? E se um hacker invadiu o computador do cartório e forjou aquela página? Como o tabelião saberá disso? Será auditável a formação daquele documento digital? Enfim, o legislador do CPC reforça o erro de alçar a Ata Notarial como documento e dar à palavra dos cartorários o poder da integridade, confiabilidade, confidencialidade e autenticidade que necessitaria um documento digital.
No passo do que foi dito acima, o art. 407 do CPC é uma antítese do que determina o art. 384, pois determina que o documento feito por “oficial público incompetente ou sem a observância das formalidades legais, sendo subscrito pelas partes, tem a mesma eficácia probatória do documento particular”. A Ata Notarial, como demonstrou-se acima não segue nenhuma formalidade legal de criação do documento digital. Nenhuma norma ISO ou da ABNT. A Ata Notarial não respeita a norma do art. 39, inc. VIII, do CDC, que proíbe “colocar, no mercado de consumo, qualquer produto ou serviço em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes ou, se normas específicas não existirem, pela Associação Brasileira de Normas Técnicas ou outra entidade credenciada pelo Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Conmetro)”. Portanto, dedutivamente, a Ata Notarial não tem força probante de documento público e é um documento particular de pouca confiabilidade, o que inviabiliza o escopo processual de busca e construção da verdade material.
2.c.2. Da Força Probante dos Documentos Particulares Digitais
Antes de caminhar na análise dos documentos digitais particulares, tal separação que condeno e não vejo como salutar e prática para o desenvolvimento e melhoria da produção de provas digitais, há que se questionar a escolha do legislador do conceito de força probante.
A utilização do conceito de força probante dos documentos no atual CPC é equívoca e desprovida de um cientificismo mínimo. O conceito de força probante pode levar as partes, os advogados e, principalmente, os magistrados a avaliar uma prova como sendo mais importante do que a outra, o que no caso são os documentos. Tal posicionamento legal não favorece o debate e a construção de melhorias na teoria da prova no Brasil. A produção de provas deveria, de forma sistemática, abraçar conceitos das garantias e direitos individuais constitucionais somados a utilização da melhor técnica tecnológica para se construir um cabedal consistente e adequado aos princípios do devido processo legal, ampla defesa e contraditório.
O conceito de força probante desvia este foco e traz à tona, novamente, a ideia, qual refuto diariamente, do livre convencimento para avaliar as provas juntadas aos autos. Aquele princípio do livre convencimento traz inúmeros retrocessos para o devido processo legal, pois, não raro, fortalece o senso comum e afasta a cientificidade das decisões. A força probante de uma prova deve estar atrelada a relação causal e valorativa que ela estabelece na lide processual para representar com veracidade os fatos trazidos pelas partes. Se documentos ou testemunhos são aptos a cristalizar e realçar a realidade dos fatos trazidos, de forma fidedigna, dentro das normas legais e tecnológicas, eles terão a chamada força probante necessária para serem utilizados nos autos processuais.
Outro problema do conceito de força probante está relacionado com a ideia, nem sempre falada mas sonhada muitas vezes em vários processos, de que há uma prova única e definidora. Raramente nos processos existem uma só prova. São várias orbitando nos autos. Separar aquelas que são úteis ao deslinde da demanda é função do juiz e das partes. Por isso, sempre reputei como procedimento essencial num processo o despacho saneador, que é a primeira avaliação das provas juntada aos autos. Infelizmente, o saneamento[36] tem sido clamorosamente ignorado como prática judicial, utilizado inúmeras vezes, equivocadamente, como óbice ao princípio da celeridade processual. O CPC 2015 retoma com força a obrigatoriedade do despacho saneador, buscando reverter o quadro de descaso e resgata a importância deste momento processual ao incluí-la como dever do juiz[37].
Na prática, os juízes ainda não estão seguindo os mandamentos do CPC. Contudo, há que se internalizar esta prática salutar de gerenciamento do processo, que além de outras coisas, fixa os assuntos controversos e organiza a produção de provas.
Existente a dicotomia inócua, no atual contexto das provas digitais, dos documentos públicos e particulares, a análise enfrenta o caminho de como o CPC 2015 prescreve as características e exigências da força probante deles, focando na análise das tecnologias da informação e comunicação.
O art. 408 determina que os documentos escritos presumem-se verdadeiros em relação ao signatário. E quando tiver declaração da ciência de determinado fato, ela prova a ciência e não o fato, que deverá ser apurado se verdadeiro ou não (parágrafo único). Mas e em relação ao documento digital como isto funcionaria? Em relação ao signatário, somente se o documento estiver assinado digitalmente, tal como previsto na MP n. 2000/2002. A ciência do fato poderia ser o aviso de recebimento e leitura de um e-mail ou de confirmação do envio de uma mensagem por Whatsapp.
Em relação a data do documento (art. 409[38]) e o autor do documento (art. 410[39]), o CPC não considerou em nenhum momento as infinitas possibilidades de formação de um documento digital ou digitalizado. Todo arquivo digital quando é criado possui propriedades que determinam, por exemplo, quando foi criado, a última vez que foi alterado, que são repassados também para as suas cópias. Poderia ter instituído o legislador que a data inserta nas propriedades ou nos selos digitais de autenticação[40] são válidas para terceiros. A autoria, da mesma forma, poderia ser atribuída a quem assinou digitalmente ou que, por outros meios, pudesse ser identificado como proprietário ou usuário do dispositivo informático[41].
O art. 411 do CPC determina que são autênticos os documentos que o tabelião reconhecer firma (inc. I), quando “a autoria estiver identificada por qualquer outro meio legal de certificação, inclusive eletrônico, nos termos da lei” (inc. II) ou quando não houver impugnação (inc. III).
Sobre a autenticidade da assinatura do tabelião já discorremos muito detidamente acima, principalmente no tocante às Atas Notariais.
A respeito da autenticidade determinada pela autoria por meio de certificação digital, contida no inc. II deste art. 411, o legislador misturou a determinação de autoria, que está no art. 410, com autenticidade, a qual deveria regular neste inciso. Percebe-se nitidamente o desconforto do legislador em inserir o digital dentro do contexto processual, o que não deveria ser um grande problema. Já existe uma norma que institui o procedimento eletrônico, a Lei n. 11.419/2006, que discute muito destas relações. Interessante notar que o CPC 2015 não englobou aquelas normas e discussões na redação, mantendo dois estatutos para a mesma teoria processual, o que, no fim de tudo, é contraproducente.
Contudo, e o ponto que mais me preocupa neste artigo, em termos de produção de provas digitais, é o reconhecimento da autenticidade de um documento quando não houver impugnação. Isto é totalmente o oposto do que defendemos aqui neste artigo e o que o CPC prega em termos de busca da verdade material. O CPC define no art. 429 desta seção de força probante dos documentos, o ônus da prova de autenticidade é de quem apresenta o documento e não o contrário. Aceitar que há autenticidade de um documento, no caso digital, quando não houver impugnação pela parte contrária é abrir a possibilidade para a proliferação do inverídico, o que não é objetivo do CPC. Diante disto e do princípio da cooperação apregoado pelo código, há que se ter muito cuidado com a aplicação desta regra do inc. III do art. 411 que vai de encontro ao espírito principiológico do CPC. Para piorar a situação, o art. 412 arremata a inversão do ônus da prova e afunda o princípio da busca da verdade ao atribuir a responsabilidade do fato àquele que não impugnou o documento[42].
Essas escolhas jurídicas do legislador ferem o princípio da busca da verdade material e devem ser analisadas e utilizadas com extrema cautela na distribuição dinâmica das provas. No mesmo caminho do fictício princípio probatório da não impugnação, o art. 422 do CPC atribui esta lógica para quaisquer reproduções mecânicas, fotográficas, cinematográficas, fonográficas ou de outra espécie que ao serem apresentadas terão o condão de fazer prova dos fatos ou das coisas representadas. No caso das fotografias digitais e dos e-mails (§ 1º e § 2º), vale a mesma da impugnação e, se ela ocorrer, quem apresenta deve apresentar autenticação eletrônica ou pagar pela produção da prova pericial.
A discussão empreendida em relação a Ata Notarial deve ser estendida para a análise do art. 423 do CPC que determina que as reproduções dos documentos digitais por quaisquer meios de repetição “valem como certidões sempre que o escrivão ou o chefe de secretaria certificar sua conformidade com o original”. Repriso o que foi dito acima de que não há procedimentos de segurança de informação ou qualquer meio de se provar efetivamente, nos termos legais, que estes documentos são autênticos e verdadeiros. E, alongando-se este pensamento aos arts. 424 e 425 do CPC[43], a indagação que se faz, além daquelas já feitas anteriormente sobre a capacitação dos escrivães e tabeliães para avaliarem tecnicamente o arquivo digital, é a relacionada se o documento é totalmente digital e não há distinção entre o físico e o digital.
Um ponto deve ser discutido no art. 426 do CPC[44] relacionado a fé que o documento deva merecer. Assim, o juiz deve se atentar para as entrelinhas, emendas, borrões ou cancelamentos. Tal mandamento faz sentido em processos de papel ou documentos digitalizados anexados aos autos, contudo, num documento puramente digital, tal consideração é fora de contexto. Neste sentido, o legislador poderia ter pensado numa norma que atendesse tais contextos diversos e poderia se utilizar do caminho apresentado por Niklas Luhman[45] e por Cândido Rangel Dinamarco[46] em que o documento só poderia ser válido tivesse sido construído em procedimentos confiáveis e auditáveis.
A fé advém do procedimento e não do senso comum, o que já resolveria a questão, mal colocada, dos arts. 427 e 428 do CPC que discorrem sobre cessação da fé do documento. Não existe um momento que se perde a fé num documento. O documento deve ser realizado a partir de práticas escorreitas ab initio. Só assim ele pode gerar efeitos na órbita jurídica. A técnica utilizada pelo legislador pode trazer validade jurídica a um documento falso, o que não se pode defender aqui neste momento e muito menos está em consonância com o princípio processual da busca da verdade.
3. Conclusão
À guisa da necessidade de uma conclusão, que, com certeza, não abrangeria todos os pontos levantados neste artigo, empreendeu-se uma jornada dialética entre produção de provas digitais e a busca da verdade dentro do novo Código de Processo Civil.
Partiu-se de um questionamento fundador e pouco estudado na doutrina e na jurisprudência sobre como orientar a produção de provas, neste caso aqui mais especificamente das provas digitais, no direcionamento da verdade. E neste questionamento, verificou-se que a celeridade não é um impeditivo da construção da verdade. Inúmeros problemas anteriores perpassam a produção de provas digitais dentro do procedimento eletrônico atual. Alguns pontos gostaria de trazer:
- Falta de Infraestrutura do Estado em produzir provas digitais confiáveis – o Estado, representado pelo Estado-juiz e o Estado-polícia, não consegue produzir e avaliar de forma correta as provas digitais. Não há procedimentos instituídos. Não há segurança na guarda das provas, na circulação e na manutenção. Por conta desta falta de infraestrutura, fomenta o argumento de que são contraditórios a busca da verdade e a celeridade. Se não há estrutura para a produção de provas digitais nem procedimentos existentes, logicamente a busca pela verdade será um caminho mais tortuoso e árido, o que traria enorme perda de tempo para se chegar aos escopos do processo judicial. Esta falsa dicotomia perdura até este momento no processo judicial. Não se pode mais aceitar este tipo de situação, pois totalmente contrária ao que determina o novo CPC, em que a busca da verdade é corolário e escopo processual;
- Confusão entre Procedimento de Papel e Digital – conforme apontou-se acima, há grande dificuldade do legislador e do mundo do direito em geral em assimilar as mudanças trazidas pelas tecnologias de informação e comunicação. As normas processuais, mesmo que desenhadas recentemente, desconsideram as transformações impostas pelo mundo digital. Muitas das normas confundem os jurisdicionados sobre qual o objetivo a se perseguir na produção de provas digitais. As normas ainda trazem nomenclaturas do antigo CPC de 1973 sem se atentar se estes conceitos ainda são válidos atualmente. Discutiu-se bastante sobre Ata Notarial, força probante, fé documental dentre outros conceitos que são discutíveis nos procedimentos eletrônicos. Nesta confusão percebe-se que a busca da verdade na produção de provas digitais é mitigada e muitas vezes as normas entram em contradição com as práticas tecnológicas existentes. Aí, teremos duas verdades convivendo no mesmo processo: a jurídica e a tecnológica, o que é terrível para o escopo processual da pacificação social. Demos o exemplo da Ata Digital como paradigma de uma maneira atual de se produzir provas digitais em consonância com a produção de verdade nos autos;
- Falta de Procedimentos de Segurança de Informação – a verdade processual somente pode ser construída mediante o estabelecimento de procedimentos em contraditório e ampla defesa. Contudo, no que se refere a produção de provas digitais, existe uma lacuna no CPC 2015 que se refere a procedimentos de segurança de informação. Quem garante que o Poder Judiciário aplica as melhores práticas de segurança de informação em seus sistemas de procedimento eletrônico? Existe transparência? Quais são os procedimentos que os peritos devem fazer para produzirem provas digitais em dispositivos informáticos das partes de um processo ou uma investigação? Enfim, inúmeros outros questionamentos poderão surgir e não terão guarida no Poder Judiciário, que não produz os procedimentos necessários para efetivar a verdade das provas digitais dentro do processo judicial.
- Decisões baseadas em Senso Comum e Preconceitos – a despeito da falta de procedimentos de segurança de informação, um outro fator é importante para distanciar os processos judiciais da verdade dos fatos relaciona-se pelas escolhas feitas por magistrados e policiais ao largo do rigor científico e jurídico. A maioria das decisões são fundadas em senso comum e preconceitos que não resguardam relações com os direitos fundamentais das partes nem as melhores práticas de análise científicas e tecnológicas. É mais importante a denúncia em si do que a investigação que liga a autoria ao ilícito. A opinião pessoal dos investigadores e magistrados influem absurdamente na forma como as provas são produzidas, o que altera em muito a verdade construída nos autos.
Outros pontos poderiam ser colocados e trazidos a esta conclusão, o que poderia direcionar e mitigar as possibilidades de discussões sobre a verdade da produção de provas digitais em tempos de procedimentos eletrônicos. Há que se enfrentar os problemas estruturais existentes no Estado para se produzir mais verdade processual com rigor científico jurídico e tecnológico, a fim de se promover os direitos fundamentais dos cidadãos.
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[1] Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUCSP (2004), em História pela Universidade de São Paulo – USP (2005), Professor da FATEC Carapicuíba em Direito Empresarial (2006-2008) e Segurança Empresarial. Pesquisador do Grupo de Perícia Forense em Sistemas Informatizados do CnPq. Vice-Presidente da Comissão de Responsabilidade Social da OAB/SP (2006-2008). Professor do INFI FEBRABAN. Mestre em Direitos Humanos pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Doutor em Direito Comercial pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).
[2] A produção da verdade passou a ser uma preocupação no novo Código de Processo Civil. Em várias passagens há a exigência do legislador pela produção de provas conforme a verdade. No art. 77 do novo CPC determina que “são deveres das partes, de seus procuradores e de todos aqueles que de qualquer forma participem do processo”(caput) exporem os “fatos em juízo conforme a verdade” (inc. I). A verdade no novo Processo Civil serve de baliza conceitual para delimitar o que é verdade formal dentro das lindes da boa fé e da lealdade processual e encontrar a verdade material dos fatos presentes nos autos. A intenção do legislador é louvável, mas, dentro de uma práxis que exige rigor científico e estrutura investigativa complexa, de difícil sucesso.
[3] Art. 405. O documento público faz prova não só da sua formação, mas também dos fatos que o escrivão, o chefe de secretaria, o tabelião ou o servidor declarar que ocorreram em sua presença.
[4] A Verdade e as Formas Jurídicas, p. 8.
[5] No meu mestrado, defendido em 2012, “A Inclusão Digital como Direito Fundamental”, apontei os problemas do triunfalismo tecnológico: “Não são poucos autores que imputam a tecnologia a salvação das mazelas humanas e da superação de todos os problemas, por exemplo, com o aumento na velocidade das redes. Marc Guillaume (2010, apud MARK DERY, 2010, p. 143) critica esta visão do triunfalismo: ‘O discurso pregado sobre a ‘sociedade da informação’ é, assim, portador de um triunfalismo um pouco excessivo, que o filósofo Jean Brun chama de um otimismo sob crítica ou ainda uma retórica do sublime tecnológico’. O triunfalismo tecnológico esconde os poderes e saberes que se desenvolvem dentro das redes para controlar e vigiar como os indivíduos interagem e se relacionam. Por outro lado, o sublime tecnológico concentra em si a capacidade de transformação social em detrimento de outros aspectos mais relevantes ligados a necessidade humana e a construção de valores. Assim, a tecnologia passa de meio relevante de transformação social para obstáculo impeditivo de aquisição de direitos.
[6] Efetividade do processo e técnica processual, p. 22.
[7] “Ao juiz inerte, como tradicionalmente no adversarial system, e ao juiz autoritário e inquisidor, o Führer do processo, deve opor-se o juiz democrático, que respeita a liberdade das partes na iniciativa probatória na medida em que elas se presumem encontrar-se na posição ideal para avaliar a relevância e utilidade de cada prova em relação à sua versão dos fatos. Mas o juiz democrático é aquele que, através da maiêutica, consegue estabelecer um diálogo humano com as partes, que permite que estas efetivamente acompanhem o desenvolvimento da formação da sua convicção e assim possam propor e produzir provas úteis e relevantes, e que somente intervém subsidiariamente na proposição de provas por elas não requeridas, quando se fizer necessário, para assegurar a paridade de armas, suprir a dificuldade em que uma delas se encontre no exercício dos seus meios de defesa, em razão da inferioridade no acesso a esses meios em relação à outra, ou em razão da desídia ou inércia do seu advogado ou até mesmo da impossibilidade de descobrir que provas poderiam vir a gerar a convicção do juiz. Essa iniciativa subsidiária faz-se necessária também para assegurar a consistência da reconstrução da verdade histórica, muitas vezes insuficientemente fundamentada nas provas produzidas pelas partes”. (Leonardo Greco, ―A Prova no Processo Civil: Do Código de 1973 ao Novo Código Civil‖. In: Hélio Rubens Batista Ribeiro Costa, José Horácio Halfeld Rezende Ribeiro e Pedro da Silva Dinamarco (coord.), Linhas Mestras do Processo Civil: Comemoração dos 30 anos de vigência do CPC. São Paulo: Atlas, 2004, p. 404)
[8] O próprio CPC de 2015 reforça a busca pela verdade como corolário de suas normas ao instituir o art. 378:“Ninguém se exime do dever de colaborar com o Poder Judiciário para o descobrimento da verdade”.
[9] Verdade e Conhecimento, p. 84.
[10] Pelo art. 471 do CPC as partes podem escolher perito e estabelecer metodologias de investigação pericial: Art. 471. As partes podem, de comum acordo, escolher o perito, indicando-o mediante requerimento, desde que: I – sejam plenamente capazes; II – a causa possa ser resolvida por autocomposição. § 1o As partes, ao escolher o perito, já devem indicar os respectivos assistentes técnicos para acompanhar a realização da perícia, que se realizará em data e local previamente anunciados. § 2o O perito e os assistentes técnicos devem entregar, respectivamente, laudo e pareceres em prazo fixado pelo juiz. § 3o A perícia consensual substitui, para todos os efeitos, a que seria realizada por perito nomeado pelo juiz.
[11] Conforme faço em todos os meus trabalhos em que discorro sobre direitos humanos ou direitos fundamentais, por questão de método, utilizo estes conceitos como sinônimos. A distinção, que outrora se fazia, não faz mais sentido neste atual contexto da doutrina, jurisprudência e direito internacional, onde a designação é utilizada de forma muito randômica e sem se ater ao critério inicial.
[12] Art. 7º O acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário são assegurados os seguintes direitos: I – inviolabilidade da intimidade e da vida privada, sua proteção e indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; II – inviolabilidade e sigilo do fluxo de suas comunicações pela internet, salvo por ordem judicial, na forma da lei; III – inviolabilidade e sigilo de suas comunicações privadas armazenadas, salvo por ordem judicial; IV – não suspensão da conexão à internet, salvo por débito diretamente decorrente de sua utilização; V – manutenção da qualidade contratada da conexão à internet; VI – informações claras e completas constantes dos contratos de prestação de serviços, com detalhamento sobre o regime de proteção aos registros de conexão e aos registros de acesso a aplicações de internet, bem como sobre práticas de gerenciamento da rede que possam afetar sua qualidade; VII – não fornecimento a terceiros de seus dados pessoais, inclusive registros de conexão, e de acesso a aplicações de internet, salvo mediante consentimento livre, expresso e informado ou nas hipóteses previstas em lei; VIII – informações claras e completas sobre coleta, uso, armazenamento, tratamento e proteção de seus dados pessoais, que somente poderão ser utilizados para finalidades que: a) justifiquem sua coleta; b) não sejam vedadas pela legislação; e c) estejam especificadas nos contratos de prestação de serviços ou em termos de uso de aplicações de internet; IX – consentimento expresso sobre coleta, uso, armazenamento e tratamento de dados pessoais, que deverá ocorrer de forma destacada das demais cláusulas contratuais; X – exclusão definitiva dos dados pessoais que tiver fornecido a determinada aplicação de internet, a seu requerimento, ao término da relação entre as partes, ressalvadas as hipóteses de guarda obrigatória de registros previstas nesta Lei; XI – publicidade e clareza de eventuais políticas de uso dos provedores de conexão à internet e de aplicações de internet; XII – acessibilidade, consideradas as características físico-motoras, perceptivas, sensoriais, intelectuais e mentais do usuário, nos termos da lei; e XIII – aplicação das normas de proteção e defesa do consumidor nas relações de consumo realizadas na internet.
[13] Ver Ingo Sarlet: Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988.
[14] PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS . TRÁFICO DE DROGAS. NULIDADE DA PROVA. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL PARA A PERÍCIA NO CELULAR. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. 1. Ilícita é a devassa de dados, bem como das conversas de whatsapp , obtidas diretamente pela polícia em celular apreendido no flagrante, sem prévia autorização judicial. 2. Recurso ordinário em habeas corpus provido, para declarar a nulidade das provas obtidas no celular do paciente sem autorização judicial, cujo produto deve ser desentranhado dos autos. (STJ, Rec. Habeas Corpus n. 51.531 – RO 2014/0232367-7, Min. Rel. NEFI CORDEIRO, julgado no dia 19.04.2016).
[15] Falarei mais sobre isto no item seguinte ao discorrer sobre a prática da interceptação de dados.
[16] Grinover, Ada Pelegrini. As Nulidades no Processo Penal, p. 123.
[17] Há que se fazer, por questão de método, uma explicação sobre a utilização somente de interceptação de dados e não interceptação de comunicação eletrônica, tal como inserto na referida lei. Quase em sua totalidade, toda a comunicação realizada no país é feita através de dados digitais e não mais por meio analógico. Ou seja, tudo que é transmitidos nas redes de telecomunicações são dados. Assim, não há o por quê de se dizer comunicações telefônicas, a não ser para se designar a lei que instituiu a interceptação de comunicações eletrônicas.
[18] Art. 10. Constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei.
[19] São informações trazidas pelo Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel Celular e Pessoal (SindiTelebrasil). <http://www.telesintese.com.br/autoridades-fazem-15-mil-pedidos-de-dados-de-usuarios-operadoras-por-dia/>, acessado no dia 04.09.2017, às 11h55min.
[20] Idem.
[21] Disponível em: <https://oglobo.globo.com/brasil/mucao-libertado-apos-irmao-assumir-culpa-por-pedofilia-5360789>. Acessado no dia 04.09.2017.
[22] “RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO – Indenização – Pretensão embasada em error in judicando – Inadmissibilidade – Reparação devida somente quando o erro judiciário decorrer de dolo ou culpa e não em razão de julgamento injurídico ou equivocado ou que venha a ser modificado pela instância superior – Verba indevida – Voto vencido. Ementa oficial: A responsabilidade do Estado por ato de seus Juízes só nasce quando ocorra erro judiciário ou as demais hipóteses previstas na Carta Magna, tais como a prisão indevida e a prisão além do tempo fixado na sentença. O erro judicial in genere só assume relevância quando decorra de dolo ou culpa. Resulta dessas proposições que nem o Estado, nem o Magistrado respondem por error in judicando, ou seja, em razão do julgamento injurídico ou equivocado ou que venha a ser modificado pela instância superior. A divergência de entendimento no campo jurídico é da essência do Direito e o alimento que satisfaz e o torna apto a acompanhar a evolução social. A atividade jurisdicional se apoia e busca fundamento e supedâneo na interpretação da lei, de modo que um mesmo texto possa ter leitura e compreensão multifária e diversa e, enfim, polissêmica, quando focada por mais de um operador ou visualizada em período temporal distinto.”Acórdão da 3ª Câmara de Direito Público ‘Julho/2000’ do TJSP, EmbInfr. 078.311-5/5-01, rel. Des. Rui Stoco, j. 24/4/2001; RT 790/245.
[23] Curso de direito Administrativo, p. 1001.
[24] E assim continua Luciana na entrevista: “Enquanto isso, as instituições de Justiça estão em negociações que garantam os seus benefícios corporativos, independentemente de isso representar um passo atrás na luta pela garantia de direitos das pessoas que mais precisam delas. Como eu disse, o Tribunal de Justiça chegou a receber 21% das suplementações orçamentárias do Estado. Os números demonstram que as verbas estão chegando e os pedidos do governo estão sendo atendidos. Então há uma dinâmica que financia a atuação elitista do sistema de Justiça e que está, na outra ponta, representando o abandono da sua função primordial, que é garantir o Direito e funcionar como uma parte apartada do Executivo no mecanismo de execução de peso e contrapeso. https://www.cartacapital.com.br/politica/ha-uma-dinamica-que-financia-a-atuacao-elitista-da-justica-paulista, acessado no dia 04.09.2017, às 14h53min.
[25] A responsabilidade do juiz e a garantia da independência, p. 166.
[26] Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?documento=2602>. Acessado no dia 04.09.2017.
[27] Art. 439. A utilização de documentos eletrônicos no processo convencional dependerá de sua conversão à forma impressa e da verificação de sua autenticidade, na forma da lei.
Art. 440. O juiz apreciará o valor probante do documento eletrônico não convertido, assegurado às partes o acesso ao seu teor.
Art. 441. Serão admitidos documentos eletrônicos produzidos e conservados com a observância da legislação específica.
[28] A Prova Cível, p. 385.
[29] Umas das questões que enfrentamos em História Digital ultimamente refere-se a conservação dos documentos digitais produzidos. Alguém ainda possui um leitor de floppy disk? E os milhões de documentos armazenados nestas mídias se perdem? Como faremos para lê-los? Estas questões são preementes em arquivologia digital e poucos se dão conta do que se perde com os descuidos da guarda destes documentos digitais.
[30] Projeto muito interessante no Brasil é a Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin que está na Universidade de São Paulo-USP (https://www.bbm.usp.br/). Aqui está o objetivo do projeto: “Esta Biblioteca, conforme o regimento, tem o compromisso de conservar, divulgar e facilitar o acesso de estudantes, pesquisadores e do público em geral ao acervo, e promover a disseminação de estudos de assuntos brasileiros por meio de programas e projetos específicos. Neste sentido, ela tem atuado como um centro interdisciplinar de documentação, pesquisa e difusão científica de estudos brasileiros, da cultura do livro, da tecnologia da informação e das humanidades digitais, tornando um órgão de integração de diversas iniciativas acadêmicas, de interesse intersetorial e transdisciplinar”.
[31] Art. 320.A petição inicial será instruída com os documentos indispensáveis à propositura da ação.
[32] Art. 384. A existência e o modo de existir de algum fato podem ser atestados ou documentados, a requerimento do interessado, mediante ata lavrada por tabelião.
Parágrafo único. Dados representados por imagem ou som gravados em arquivos eletrônicos poderão constar da ata notarial.
[33] O site da Ata Digital é www.atadigital.net.br.
[34] “A informação (de acordo com a definição da norma ABNT NBR ISSO/IEC 27002:2005), é um ativo que, como qualquer outro ativo importante, é essencial para os negócios de uma organização e, consequentemente, necessita ser adequadamente protegida. […] A informação pode existir em diversas formas. Ela pode ser impressa ou escrita em papel, armazenada eletronicamente, transmitida pelo correio ou por meios eletrônicos, apresentada em filmes ou falada em conversas. Seja qual for a forma de apresentação ou meio através do qual a informação é compartilhada ou armazenada, é recomendado que ela seja sempre protegida adequadamente”. Disponível em: <http://www.egov.ufsc.br/portal/conteudo/seguran%C3%A7a-de-informa%C3%A7%C3%A3o>. Acessado no dia 25.09.2017.
[35] Conforme determina o ISO/IEC 17799:2005. Disponível em: <http://www.egov.ufsc.br/portal/conteudo/seguran%C3%A7a-de-informa%C3%A7%C3%A3o>. Acessado no dia 25.09.2017.
[36] “O saneamento do processo é uma função instrumental do juiz, que abrange todas as atividades que ele exerce e todos os provimentos que adota, com a finalidade de assegurar a sua válida formação e o seu desenvolvimento regular e para definir os atos que deverão ser praticados para conduzi-lo à realização do seu fim, que é o justo e adequado exercício da jurisdição sobre a pretensão de direito material que lhe foi submetida”. Leonardo Greco, Aspectos da decisão saneadora sob a perspectiva do Novo Código de Processo Civil, p. 86.
[37] Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: (…) IX – determinar o suprimento de pressupostos processuais e o saneamento de outros vícios processuais;
Art. 329. O autor poderá: (…) II – até o saneamento do processo, aditar ou alterar o pedido e a causa de pedir, com consentimento do réu, assegurado o contraditório mediante a possibilidade de manifestação deste no prazo mínimo de 15 (quinze) dias, facultado o requerimento de prova suplementar.
Art. 357. Não ocorrendo nenhuma das hipóteses deste Capítulo, deverá o juiz, em decisão de saneamento e de organização do processo: I – resolver as questões processuais pendentes, se houver; II – delimitar as questões de fato sobre as quais recairá a atividade probatória, especificando os meios de prova admitidos; III – definir a distribuição do ônus da prova, observado o art. 373; IV – delimitar as questões de direito relevantes para a decisão do mérito; V – designar, se necessário, audiência de instrução e julgamento. § 1o Realizado o saneamento, as partes têm o direito de pedir esclarecimentos ou solicitar ajustes, no prazo comum de 5 (cinco) dias, findo o qual a decisão se torna estável. § 2o As partes podem apresentar ao juiz, para homologação, delimitação consensual das questões de fato e de direito a que se referem os incisos II e IV, a qual, se homologada, vincula as partes e o juiz. § 3o Se a causa apresentar complexidade em matéria de fato ou de direito, deverá o juiz designar audiência para que o saneamento seja feito em cooperação com as partes, oportunidade em que o juiz, se for o caso, convidará as partes a integrar ou esclarecer suas alegações. § 4o Caso tenha sido determinada a produção de prova testemunhal, o juiz fixará prazo comum não superior a 15 (quinze) dias para que as partes apresentem rol de testemunhas. § 5o Na hipótese do § 3o, as partes devem levar, para a audiência prevista, o respectivo rol de testemunhas. § 6o O número de testemunhas arroladas não pode ser superior a 10 (dez), sendo 3 (três), no máximo, para a prova de cada fato. § 7o O juiz poderá limitar o número de testemunhas levando em conta a complexidade da causa e dos fatos individualmente considerados. § 8o Caso tenha sido determinada a produção de prova pericial, o juiz deve observar o disposto no art. 465 e, se possível, estabelecer, desde logo, calendário para sua realização. § 9o As pautas deverão ser preparadas com intervalo mínimo de 1 (uma) hora entre as audiências.
[38] Art. 409. A data do documento particular, quando a seu respeito surgir dúvida ou impugnação entre os litigantes, provar-se-á por todos os meios de direito. Parágrafo único. Em relação a terceiros, considerar-se-á datado o documento particular: I – no dia em que foi registrado; II – desde a morte de algum dos signatários; III – a partir da impossibilidade física que sobreveio a qualquer dos signatários; IV – da sua apresentação em repartição pública ou em juízo; V – do ato ou do fato que estabeleça, de modo certo, a anterioridade da formação do documento.
[39] Art. 410. Considera-se autor do documento particular: I – aquele que o fez e o assinou; II – aquele por conta de quem ele foi feito, estando assinado; III – aquele que, mandando compô-lo, não o firmou porque, conforme a experiência comum, não se costuma assinar, como livros empresariais e assentos domésticos.
[40] Ver a explicação acima sobre Ata Digital.
[41] A questão da autoria de um documento digital é matéria interessante e muito pouco estudada. Muitas empresas, seguindo determinação do Marco Civil da Internet, possuem políticas de segurança de informação em que cada usuário pode ser identificado como autor de um determinado documento digital. Tal prática poderia de pronto já autorizar a autoria de um documento.
[42] Art. 412. O documento particular de cuja autenticidade não se duvida prova que o seu autor fez a declaração que lhe é atribuída. Parágrafo único. O documento particular admitido expressa ou tacitamente é indivisível, sendo vedado à parte que pretende utilizar-se dele aceitar os fatos que lhe são favoráveis e recusar os que são contrários ao seu interesse, salvo se provar que estes não ocorreram.
[43] Art. 424. A cópia de documento particular tem o mesmo valor probante que o original, cabendo ao escrivão, intimadas as partes, proceder à conferência e certificar a conformidade entre a cópia e o original.
Art. 425. Fazem a mesma prova que os originais: I – as certidões textuais de qualquer peça dos autos, do protocolo das audiências ou de outro livro a cargo do escrivão ou do chefe de secretaria, se extraídas por ele ou sob sua vigilância e por ele subscritas; II – os traslados e as certidões extraídas por oficial público de instrumentos ou documentos lançados em suas notas; III – as reproduções dos documentos públicos, desde que autenticadas por oficial público ou conferidas em cartório com os respectivos originais; IV – as cópias reprográficas de peças do próprio processo judicial declaradas autênticas pelo advogado, sob sua responsabilidade pessoal, se não lhes for impugnada a autenticidade; V – os extratos digitais de bancos de dados públicos e privados, desde que atestado pelo seu emitente, sob as penas da lei, que as informações conferem com o que consta na origem; VI – as reproduções digitalizadas de qualquer documento público ou particular, quando juntadas aos autos pelos órgãos da justiça e seus auxiliares, pelo Ministério Público e seus auxiliares, pela Defensoria Pública e seus auxiliares, pelas procuradorias, pelas repartições públicas em geral e por advogados, ressalvada a alegação motivada e fundamentada de adulteração. § 1o Os originais dos documentos digitalizados mencionados no inciso VI deverão ser preservados pelo seu detentor até o final do prazo para propositura de ação rescisória. § 2o Tratando-se de cópia digital de título executivo extrajudicial ou de documento relevante à instrução do processo, o juiz poderá determinar seu depósito em cartório ou secretaria.
[44] Art. 426. O juiz apreciará fundamentadamente a fé que deva merecer o documento, quando em ponto substancial e sem ressalva contiver entrelinha, emenda, borrão ou cancelamento.
[45] Ver Legitimação Pelo Procedimento.
[46] Ver Instrumentalidade do Processo.