Com o procedimento eletrônico instaurado de cima para baixo a todos os usuários da Justiça, as questões relativas à internet não são o futuro e sim atualidades que não podem ser mais evitadas. Contudo, várias questões estão em aberto e mal resolvidas tanto no Poder Judiciário quanto na Advocacia, principalmente nas questões éticas.
O problema que pretendo apresentar relaciona-se somente a advocacia. A Lei que rege a profissão é de 1996, ou seja, bem antes da difusão intensa da internet. Alguém vai me dizer que a ética profissional não muda com os novos meios de comunicação. Concordo em parte. Ela não muda totalmente, mas tem de ser altamente discutida e revista em razão de certas práticas que não encontram mais ressonância nas realidades dos advogados.
O Código de Ética e Disciplina da Advocacia visa estabelecer práticas e padrões de comportamentos para advogados. Dentre outras práticas repudiadas, conforme art. 34 da Lei n. 8.906/94, os advogados não devem mercantilizar a profissão, estabelecer concorrências desleais entre si ou propagandas que acabem por gerar iniquidades em razão do poder econômico e social, já que o advogado é considerado prestador de serviço público e essencial para a administração da Justiça (art. 133 da CF de 1988 e art. 2º, inc. I, da Lei n. 8.906/94).
Com a internet, alguns incisos do art. 34 são questionados por práticas realizadas por advogados nas redes sociais, nos sítios de busca, newsletters e nos chamados e-mail marketing, os quais são “valer-se de agenciador de causas, mediante participação nos honorários a receber” (inc. III), “angariar ou captar causas, com ou sem a intervenção de terceiros” (inc. IV), “violar, sem justa causa, sigilo profissional” (inc. VII) e “fazer publicar na imprensa, desnecessária e habitualmente, alegações forenses ou relativas a causas pendentes” (inc. XIII).
Não raro, vemos advogados atuando em autopromoções nos meios de comunicação, principalmente na internet, ao contratarem serviços links patrocinados nos sítios de buscas e nas redes sociais, contrato de propaganda digital em diversos sítios, utilização de serviços de assessoria de imprensa e de marketing digital para divulgar trabalhos e análises, criação de eventos para divulgar melhores práticas com vistas à captação de clientela, etc.. Tais práticas altamente difundidas podem gerar um desequilíbrio entre os profissionais e uma mercantilização da profissão, pois o advogado que se utiliza destas ferramentas de divulgação usufrui de poder econômico, social e de conhecimento tecnológico para angariar clientela, direta ou indiretamente.
As questões que se colocam em relação a estes comportamentos de advogados na internet, principalmente nas redes sociais como o facebook e twitter, é saber, se elas extrapolam os limites da urbanidade, há atuação profissional em detrimento de outros colegas, os limites entre o pessoal e o profissional ou se mercantilizam esta profissão. Não há norte que nos oriente, em tempos de internet, em relações a estas questões.
Diante destes desafios, a OAB criou o Provimento 94/2000, que estipula sobre a publicidade, a propaganda e a informação da advocacia, tentou apontar para alguns caminhos. Contudo, existem alguns problemas que estão em aberto. O Provimento 94/2000 prescreve sobre publicidade na internet vivendo num mundo analógico.
O art. 2º deste Provimento diz que são publicidades informativas: “a identificação pessoal e curricular do advogado ou da sociedade de advogados”, “o número da inscrição do advogado ou do registro da sociedade”, “o endereço do escritório principal e das filiais, telefones, fax e endereços eletrônicos, “as áreas ou matérias jurídicas de exercício preferencial”, “o diploma de bacharel em direito, títulos acadêmicos e qualificações profissionais obtidos em estabelecimentos reconhecidos, relativos à profissão de advogado (art. 29, §§ 1º e 2º, do Código de Ética e Disciplina), “a indicação das associações culturais e científicas de que faça parte o advogado ou a sociedade de advogados”, “os nomes dos advogados integrados ao escritório”, “o horário de atendimento ao público” e “os idiomas falados ou escritos”.
As perguntas que cabem nestas normas, em relação a internet e às redes sociais atuais, são: Que advogado divulga na internet o seu diploma, títulos acadêmicos, número de inscrição e idiomas falados ou escritos? Com a internet, o que seria o horário de atendimento ao público se o advogado está online 24 horas?
O art. 3º do Provimento determina que são meios lícitos de publicidade da advocacia o uso de cartões de visita, placas de identificação, anúncios em listas telefônicas e análogas (que quase não existem mais), comunicação por mala direta e divulgação de informações objetivas (sem especificação do que seria objetiva) em meios de comunicação escrita ou eletrônica.
Diante deste art. 3º do Provimento, a publicidade em redes sociais e sítios próprios ou de terceiros são ilícitos. Mas que escritório não tem pelo menos um perfil ou página no facebook? Que escritório, até por questão de segurança, coloca o nome e o número da OAB de seus advogados, que podem ser rastreados via internet? E se o advogado fornece serviço para estrangeiro e escreve inglês a comunicação na internet, tal como proibido pelo art. 3º, § 3º, do Provimento, é falta grave, sendo que o mesmo presta serviço para clientes no mundo inteiro?
O art. 4º determina que não se pode mencionar em publicidade de advogados a referência a patrocínio de causas (é só verificarmos em qualquer sítio informativo jurídico estas publicidades ilícitas), o uso de expressões persuasivas, ofertas de serviços (palavras chaves de grandes ações em links patrocinados de buscadores é muito comum e utilizado pelos advogados e infringe esta regra), informações sobre o tamanho do escritório (sítios de escritório já demonstram isto pelo número de advogados e filiais), emprego de fotografias e ilustrações, marcas ou símbolos incompatíveis com a sobriedade da advocacia (o que é sobriedade da advocacia? Esta sobriedade muda com o tempo e é totalmente parcial de quem controla uma determinada visão) e utilização de meios promocionais típicos da atividade mercantil (pagamento de palavras chave se encaixaria nesta proibição).
Todos este comportamentos acima descritos são ilícitos, mas são práticas comuns da internet atual. E a internet atual é admitida como meio de informação publicitária da advocacia, conforme o art. 5º do mesmo Provimento. Se é inerente à internet a profusão de imagens, áudios, vídeos e possibilidades de se comunicar, o que seria a sobriedade da advocacia dentro das redes sociais e internet? Não dá para colocar os parâmetros e valores anteriores da advocacia diante das mudanças proporcionadas pela internet. O que é propaganda imoderada que mercantiliza a profissão? Se um advogado só tem escritório virtual, como impedi-lo de divulgar informações e vídeos? Qual é o limite das postagens pessoais das profissionais? Quem vai determinar, de forma a não ser inconstitucional, quais são as informações ilícitas ou não?
Rádio e televisão não são admitidos como meio de publicidade de advogados (art. 6º do Provimento). Entretanto, existe a TV Justiça e muitos advogados, até mesmo este que vos escreve, já fizeram programas sobre algum assunto. Pelo provimento cometi uma falta grave ao expor o meu mestrado. Somados aos outros advogados que já praticaram atos como este, o que não são poucos, devemos todos serem condenados por infração grave à ética da profissão? Mas se for de interesse geral, não há infração ética (art. 7º). Quem determina o que é ou não de interesse geral?
Agora o art. 8º, em seu caput, diz que o advogado em manifestações públicas o advogado deve abster-se de comentar casos que não são seus, não responder com habitualidade por consultas jurídicas em qualquer meio de comunicação, debater causas de seu patrocínio ou de outrem, comportar-se de modo a realizar promoção pessoal, insinuar-se em reportagens e declarações públicas e comprometer a dignidade da profissão.
Diante deste art. 8º uma série de questionamentos estão abertos: o advogado que comenta, nas suas páginas pessoais de internet, casos de outrem, comete falta ética? O que pode comprometer a dignidade da profissão? Advogado usuário de drogas compromete a dignidade da profissão? Promoção pessoal só ocorreria se o advogado desqualificasse colega ou é uma situação de estar trajando roupas elegantes e falar correto?
Um outro quesito bastante em voga, e condenado pelo art. 8º deste Provimento em questão, é a de ser colunista de blogs e sítios de internet, o que poderia infringir o art. 33, inc. V, do Código de Ética da OAB, qual seja: “insinuar-se para reportagens e declarações públicas”. Neste caso, decisões já foram dadas pela Comissão de Ética da OAB/SP e, em geral, condenaram os advogados por infração ética e mercantilização da profissão[1].
Entretanto, estas decisões estão sendo revistas. Neste ano, em relação a uma consulta feita, a Comissão de Ética da OAB/SP acabou por entender que estas questões de internet apresentadas, links patrocinados, redes sociais, criação de eventos e até colunas semanas em diários eletrônicos e blogs, não ferem o Código de Ética da Profissão, em relação a estas últimas, contrariando entendimentos anteriores aqui trazidos.
Assim, esta decisão abre caminho a todos os advogados a construírem novos caminhos de divulgação e relacionamento com clientes na internet, inserindo-os em caminhos e possibilidades até agora não experimentados. Os advogados, profissão com perfil conservador, vê-se jogada em horizontes mais amplos e com desafios ainda maiores.
Para encerrar, fica uma questão no ar para todos: o Código de Ética deve ser rediscutido e atualizado diante destas decisões atuais e pela forma como as pessoas e profissionais da advocacia se relacionam atualmente?
[1] CONVÊNIO COM ENTIDADES DE CLASSE – CAPTAÇÃO DE CLIENTELA – MERCANTILISMO – ANÚNCIO EM SITE E EM REVISTA NÃO JURÍDICA DE REFERIDA ENTIDADE – PUBLICIDADE IMODERADA – CAPTAÇÃO DE CLIENTELA – MERCANTILISMO. Vedado pelos artigos 5, 39 e 41, face ao seu evidente caráter mercantilista, o convênio com entidades de classe, mormente se tal convênio previr a redução de honorários. Precedentes desta Casa. A publicidade através de anúncio em site e em revista não jurídica de entidade de classe configura-se imoderada, com intuito de captação de clientela, tendo caráter mercantilista, sendo vedada, posto que em contrariedade aos artigos 28 a 34 do CED e ao Provimento nº 94/2000 do CFOAB. Proc. E- 3.768/2009 – v.u., em 18/06/2009, do parecer e ementa do Rel. Dr. FÁBIO PLANTULLI – Rev. Dr. LUIZ FRANCISCO TORQUATO AVOLIO – Presidente Dr. CARLOS ROBERTO FORNES MATEUCCI.
INTERNET – LISTA E DEPOIMENTO DE CLIENTES – VEDAÇÃO. Em princípio não existe violação ética ao advogado ou sociedade de advogados que cria um site para divulgação do seu escritório, através da Internet, desde que em consonância com os arts. 28 e 31 do CED, 58, V, do EAOAB e Provimento n. 94/2000 do Conselho Federal da OAB. É vedada, no entanto, aos advogados e às sociedades de advogados, a divulgação de informações ou serviços suscetíveis de implicar, direta ou indiretamente, captação de causa ou de clientes, entre as quais se destaca, por força do disposto no artigo 33 do CED, e artigo 4º, letra “A”, do Provimento 94/2000, a divulgação da lista de clientes e seus depoimentos. Proc. E- 3.712/2008 – v.u., em 16/04/2009, do parecer e ementa da Rel.ª Dr.ª BEATRIZ MESQUITA DE ARRUDA CAMARGO KESTENER – Rev. Dr. GUILHERME FLORINDO FIGUEIREDO – Presidente em exercício Dr. LUIZ ANTONIO GAMBELLI.