por Victor Hugo Pereira Gonçalves[1]
Resumo: O artigo tem como função discutir uma prática jurídica esquecida em tempos de procedimento eletrônico: a constituição de uma cadeia de custódia. A cadeia de custódia é necessária para se estabelecer e consolidar as garantias constitucionais do devido processo legal, ampla defesa e contraditório. Contudo, tal prática é vista como perniciosa pelo Poder Judiciário, que tende a ignorar em sua estrutura administrativa investimentos para a construção de procedimentos e lugares para se guardar, conservar e se acessar as provas produzidas judicialmente. O artigo demonstra a preocupação com esta prática que acaba, efetivamente, afetando o direito dos cidadãos e a própria consecução do direito persecutório do Estado.
Palavras-chave: cadeia de custódia, devido processo legal, prova, processo civil, direito fundamental, processo penal, ampla defesa, contraditório.
Abstract: The article has as a function to discuss a forgotten legal practice in times of electronic procedure: the constitution of a chain of custody. The chain of custody is necessary to establish and consolidate the constitutional guarantees of due process, ample defense and contradictory. However, this practice is seen as pernicious by the Judiciary, which tends to ignore in its administrative structure investments for the construction of procedures and places to guard, preserve and access the evidence produced judicially. The article demonstrates the concern with this practice, which effectively affects the rights of citizens and the very attainment of the State’s persecutory right.
Keywords: chain of custody, due legal process, proof, civil procedure, fundamental right, criminal procedure, ample defense, contradictory.
1. Introdução: Direito Fundamental à Prova
O novo Código de Processo Civil (CPC) merece muitos elogios pelas vastas discussões trazidas em termos de ampliação do sistema de produção de provas. Reconheceu-se, em parte, a importância das novidades trazidas pelas tecnologias de informação e comunicação, principalmente em termos de provas documentais e periciais. Amplificou-se efetivamente o direito fundamental à prova com instrumentos tecnológicos e jurídicos úteis e necessários.
Deve-se ressaltar que o sistema de distribuição do ônus da provas é de grande ganho para a celeridade e agilidade do processo. Neste passo, o fortalecimento da fase saneadora do processo, muito pouco realizada pelos magistrados no antigo código e ainda embrionária neste, é uma conquista que respeita o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa.
O saneador evita que as sentenças sejam decretadas nulas pelo Tribunal, o que pode demorar ainda mais o processo e inviabilizar o uso das provas obtidas e as que se poderão obter. Em outro artigo, que pretendo publicar, quero discutir quais são os novos alcances e possibilidades da fase saneadora do processo e o quanto ela é de suma importância para a celeridade e na pacificação social. A falta do saneador na prática jurídica do Código de Processo Civil de 1973 foi terrível para o sistema de provas e trouxe inúmeros julgamentos de ficção e sem a devida fundamentação, o que era possível naquele sistema, pois era totalmente baseado no livre convencimento do juiz[2]. Tal percepção de que as provas devem convencer o juiz ainda permeiam o processo brasileiro, por mais que o novo código lute sistematicamente contra esta ideia. O sistema de provas brasileiro ficou viciado nesta formatação e não conseguiu evoluir para os desafios que uma nova prática jurídica deve alcançar em tempos de tecnologias de comunicação e informação. Aliás, prática esta só implementada em termos tecnológicos e que se ressente de uma teorização acerca dos rumos de uma transição entre o virtual e o real, bem como garantir as conquistas históricas nesta mudança de meio e possibilitar a criação de novos direitos, enfim, enfrentar criticamente estes objetos sempre mirando a luz constitucional.
Contudo, em vez de melhorarmos as práticas jurídicas e judiciárias com as tecnologias, regra geral, nas labutas diárias que enfrentamos ao lidar com o Poder Judiciário, foram destruídos inúmeros princípios e conquistas históricas jurídicas, para se encaixar procedimentos eletrônicos que facilitassem os desenvolvedores de software e suas demandas tecnológicas. Inúmeras normativas de tribunais estão sendo emitidas em grave afronta à leis e às normas constitucionais. Elas deveriam construir uma realidade, supostamente menos burocrática, para procedimentos judiciais, mas só conseguem tornar o acesso mais custoso e complexo e, não raro, obstaculizam a implementação dos direitos fundamentais. Não há discussões do Poder Judiciário com a sociedade nem, muito menos, com o mundo do direito que os cerca sobre como estas normas devem regular determinadas situações e se elas serão mais benéficas a todos. A confluência de acordos nestas transformações tornam estas normas mais legítimas e aceitas por todos os envolvidos. A legitimidade só é alcançada pelo procedimento em contraditório democrático[3]. O que se vivencia diariamente está longe da legitimidade, o que pode burocratizar ainda mais a efetividade, pois estas decisões ilegais, inconstitucionais e ilegítimas serão questionadas, batalhadas e obstadas. Exemplos não faltam para mostrar o quanto as práticas do Poder Judiciário em matérias tecnológicas se afastam de um enfrentamento crítico das normas infra e constitucionais. Pode-se elencar desde a implantação das urnas eletrônicas sem garantias de segurança da informação até a resolução monocrática da presidente do TRF 3ª Região, Des. Cecília Maria Piedra Marcondes, de impor a todos o Habeas Corpus (HC) totalmente digitalizado[4].
Sabe-se que, historicamente[5], o HC[6] é um remédio constitucional para proteger o cidadão do abuso de autoridades que impeçam o seu direito de locomoção. O HC é tão importante para o sistema constitucional brasileiro que pode ser impetrado por meio de papel higiênico[7]. Aí, analisando-se a medida tomada pela Presidente do TRF 3ª Região, qual é a razão para se criar óbice para a implementação ao direito constitucional de petição? Como a pessoa detida terá acesso a um computador numa prisão ou delegacia? Será liberado acesso a todos os detidos a um terminal? Qual será o procedimento? Sabe-se que o PJe, sistema de processo eletrônico utilizado pelo TRF 3ª Região, só permite acesso via certificado digital, que, geralmente, só o advogado possui. Mas para impetrar o HC não é necessário ter capacidade postulatória para apresentá-lo, como uma resolução pode obstar um direito constitucional?
Diante disto, vê-se nitidamente que há um distanciamento muito grande, para não dizer abissal, do Poder Judiciário com a realidade das tecnologias de informação e comunicação, pois, aparentemente, o viés adotado somente se direciona para solucionar seus problemas institucionais e procedimentais administrativos sem se atentar para as garantias individuais fundamentais de todos os partícipes da cadeia de serviços da Justiça, desenvolvendo-se um sentimento de ilegitimidade política, social e jurídica de suas práticas. Além disso, tal postura aponta para decisões temerárias e que podem afetar o direito fundamental à prova e tudo que está inerente a este conceito. Pois para a construção de um sistema de provas, como veremos adiante, necessita-se da segurança jurídica em se produzir procedimentos e tecnologias a fim de se alcançar a verdade material em decisões fundamentadas.
Aliás, neste sentido, em um sistema jurídico o que se denomina prova ou elementos de prova[8] é um complexo de procedimentos que abrigam documentos, testemunhos, dispositivos (informáticos ou não), ferramentas, coisas, exames, etc.. que permitem uma série de inferências, associações e análises sobre os fatos que estão sendo discutidos num determinado processo judicial ou não. Envolvem os meios de prova, ou meios de se analisar este conjunto probatório, e um objetivo específico que é o de elucidar, ou não, o litígio apresentado e definido na inicial. Ato contínuo da produção probatória, o saneador é o ato pelo qual o juiz analisa os atos controversos e os que não são e reconhece a pertinência das provas que já foram produzidas nos autos, no caso as provas documentais, e as que podem e devem ser feitas até a sentença no caso de testemunhos, testemunho de especialista[9], prova pericial[10] e, se necessário, determinar a inspeção judicial. As provas podem ser produzidas ao longo de todo o procedimento de 1ª instância, ou seja, da inicial (art. 319, inc. IV, do CPC) e até em segunda instância (art. 1.014 do CPC[11]), desde que sejam novas ou justificadas a sua não interposição no momento adequado.
É importante salientar que não só a pertinência deve ser analisada pelo juiz, mas também a possibilidade jurídica e técnica da produção da prova requerida pelas partes. É neste momento que muitos processos se perdem dos escopos jurídicos, políticos e sociais[12] e não realizam os procedimentos necessários para a construção da justiça e, por consequência, da verdade dos autos.
Cândido Rangel Dinamarco sustenta que o direito à prova é um dos alicerces do Estado Democrático de Direito:
“a imensa importância da prova na experiência do processo erigiu o direito à prova em um dos mais respeitados postulados inerentes à garantia política do devido processo legal, a ponto de se constituir um dos fundamentais pilares do sistema processual contemporâneo. Sem sua efetividade não seria efetiva a própria garantia constitucional do direito ao processo”[13].
E continua:
“na Constituição, o direito à prova é inerência do conjunto de garantia do processo justo, que ela oferece ao enunciar os princípios do contraditório e ampla defesa, culminando por assegurar a própria observância destes quando garantia a todo o due processo of law. Pelo aspecto constitucional, direito à prova é a liberdade de acesso às fontes e meios segundo o disposto em lei e sem restrições que maculem ou descaracterizem o justo processo”[14].
Neste sentido, o novo CPC trouxe uma normativa robusta ao direito probatório no caminho, já apontado por muitos doutrinadores, de que é um direito fundamental, tal como inserto na Convenção Americana de Direitos Humanos[15], na Constituição Federal[16] e no que determina a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em seu art. 11.1: “1.Todo ser humano acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa”.
O CPC ampliou e aprofundou o direito a prova, tornando-o uma ferramenta necessária e útil no exercício da cidadania. Contudo, em muitas práticas por lá estabelecidas, construiu-se uma dissonância profunda entre os escopos processuais, dentre eles, a busca da pacificação social por meio do estabelecimento e parametrização da produção de verdade dentro dos procedimentos judiciais, com os fenômenos sociais, históricos, econômicos e culturais, que produzem conhecimentos e tecnologias em constante mutação e que não são apreendidos no sistema processual. É neste interregno ontológico que devemos analisar e preencher os canais que conectem os objetivos pretendidos pelo legislador.
2. Provas e os problemas da Busca pela Verdade
Ao se retornar à análise do saneador, verifica-se que ele também é uma curadoria das provas reunidas nos autos. Com base nestas provas, a decisão do juiz é direcionada. Se o juiz acreditar que ainda não há provas suficientes para o convencimento motivado, ele pode se utilizar do art. 370 do CPC para se produzir mais do que se produziu até então[17]. Em relação ao art. 370 do CPC, salutar é a crítica de Lênio Streck sobre o papel do juiz na condução probatória e o problema acerca da imparcialidade probatória[18]. Aliás, crítica semelhante é feita aos julgamentos da Lava Jato, onde o juiz que investiga é o mesmo que condena[19].
Barbosa Moreira possui entendimento contrário em relação ao poder instrutório do juiz. Ao analisar o Código de Processo Civil de 1973, ele entende que a “(…) a iniciativa da prova em nada compromete a imparcialidade do juiz, pois ele não está fazendo as vezes de ninguém quando procura inteirar-se melhor dos acontecimentos que deram origem ao litígio – é claro, respeitados os limites que lhe são postos pelo pedido do autor e pela sua respectiva causa”[20]. A despeito do critério instituído por Barbosa Moreira da necessidade do juiz de esclarecer melhor os acontecimentos, há que se ter cuidado em trazer esta análise de Barbosa Moreira para o novo CPC. E qual seria o critério para a limitação destes conhecimentos pelo juiz? Na vigência do CPC de 1973 nada foi instituído neste sentido.
Contudo, no CPC atual há uma limitação argumentativa na fundamentação da sentença, conforme impõe o art. 131 ao juiz que “apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que lhe formaram o convencimento”. Assim, se as provas trazidas aos autos, de acordo com a distribuição dinâmica do ônus da prova, não conferirem clareza aos direitos pleiteados ou defendidos pelas partes, o juiz fundamentará a sua decisão apontando a insuficiência ou ausência delas. Se, por acaso o juiz necessitar de produzir mais provas, conforme lhe permite o art. 370, haverá um limite conceitual e sistemático processual para a sua iniciativa: não pode o juiz formar convencimento para defender convicções próprias, fundamentadas ou não, que interfiram no pedido inicial das partes e desvirtuem o que foi construído procedimentalmente em contraditório, nem sentenciar além (extra petita[21]) ou aquém (citra petita) do que foi pedido na inicial ou produzir decisões contrárias à lei (contra legem).
Entretanto, são linhas não muito claras de aplicação destes limites, mesmo com a imposição do art. 10 do CPC[22], de não se julgar com base em fundamento não arguido nos autos. Sempre muito sutil são os desvios, as obstruções, as dobras conceituais, os desdobramentos práticos, enfim, haverá, em algum lugar ou momento, a oportunidade para se justificar um argumento perdido nas entrelinhas processuais e factuais. Infelizmente, mesmo percebendo os desejos do legislador de enfrentar estes desvios, o juiz, como qualquer ser humano, jamais conseguirá ser totalmente parcial nos autos ao analisar as provas e julgá-las a favor ou contra as partes. As provas deveriam orientar as decisões e conclusões, mas nem sempre conseguem ser o farol seguro de todos os envolvidos no processo.
E, neste passo, no reconhecimento das limitações humanas e da necessidade de ser terem mudanças dos paradigmas jurídicos, sociais e políticos do processo, os quais sempre foram os objetivos do legislador processual, cabem algumas indagações: diante da evolução do direito probatório no novo CPC, não se perdeu a oportunidade de se criar um juiz produtor de provas e outro que julgue com base nas provas amealhadas nos autos? O direito fundamental à prova não seria mais efetivo e imparcial nesta separação institucional e processual dos juízes? As respostas não seriam de fácil solução, mas existiriam motivos plausíveis e fundamentados para pensar nesta divisão como um diferencial que tornaria mais efetivo o direito à prova e mais célere o término do processo.
Problema ainda mais latente nesta questão é relativo não só ao direcionamento da função investigativa do juízo, mas também no tocante à discussão da construção da verdade nos processos judiciais. Ao cabo das indagações acima levantadas, as respostas, invariavelmente, se encaminham no sentido de que o processo tem como escopo social o de trazer a verdade material aos autos sem a interferência do juízo na produção das provas. Tanto isto é verdade que o novo Código de Processo Civil, diferentemente do anterior de 1973, afastou o princípio do livre convencimento do juízo como objetivo da produção probatória.
O CPC, com a introdução do art. 77, caminhou a passos largos na direção de diminuir a distância entre as verdades material e processual. Ao prescrever que são deveres das partes, dos seus procuradores e de todos que participam do processo de exporem “os fatos em juízo conforme a verdade”, institui um parâmetro não existente no código anterior e sinaliza um desafio ainda maior: a busca pela verdade.
Este art. 77 do CPC possui uma miríade de possibilidades ainda não devidamente contextualizadas e estudadas. O mandamento normativo do art. 77, em seu caput, é também direcionado para o Poder Judiciário (“e de todos aqueles que de qualquer forma participem do processo”). Assim, para o legislador processual civil, a busca incessante pela verdade material deve ser feita também pelo aparato jurisdicional. Neste passo, devem as partes serem compelidas a produzir provas por elas mesmos para o rápido desenlace processual (arts. 6º e 77), ou com direcionamento do juiz (art. 370), sob pena de multas ou sanções processuais (art. 77, §§ 2º, 3º e 4º).
Diante das imensas possibilidades que podem ensejar estas normas probatórias e de distribuição do ônus da prova: como relacionar a busca pela verdade do art. 77, inc. I, sem se esquecer do art. 370 da atuação proativa do juiz na produção de provas, com o art. 379 que resguarda o direito da parte não produzir prova contra si mesma? Há possibilidade num mesmo sistema flexionar e ajustar, num arroubo de harmonização principiológica, o convívio de normas tão paradoxais e, de uma certa forma, colidentes? Como uma parte pode ter ao mesmo tempo a obrigação com a verdade sem produzir provas contra si mesma? Como o juiz, atuando proativamente, pode respeitar o direito da parte não produzir prova contra si mesma? Num pensamento mais prático, ao se realizar uma perícia de celular, por exemplo, a parte é obrigada a entregar o aparelho, mas ela seria obrigada a fornecer a senha do seu aparelho para, ao cabo de tudo, possam descobrir que ele possui um documento que lhe incrimina? Ao continuar neste caso, se descobrirem que a parte fez limpeza da memória deste celular, ela deverá pagar a multa do art. 77, § 3º?
Este artigo, por uma questão de método, pretende somente analisar a teoria das provas no processo civil. Contudo, e cabe uma divagação breve, se analisar as indagações e questionamentos trazidos no parágrafo acima para o processo penal, veremos que existem os mesmos problemas e até, por incrível que pareça, as mesma práticas de construção de verdades processuais, o que se tem denominado de flexibilização do processo penal[23]. Em processo penal, muito mais do que o civil, impor uma flexibilização do sistema probatório inverte toda a responsabilidade do Estado de provar a culpa do investigado/réu, o que fere os direitos e garantias constitucionais. O dever do Estado, insculpido na figura do juiz, respeitando o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa, é o de produzir provas que sejam juridicamente válidas dentro de uma narrativa racional e coerente, em conformidade com as tecnologias e conhecimentos que vivemos atualmente. Ao se partir do princípio da presunção de inocência, que limita a atuação do Estado, flexibilizar os atos investigatórios e aumentar a ressonância de determinados elementos de prova em detrimento de outros, inviabilizaria a ampla defesa e forçaria, indiretamente, a produção de provas contra si mesmo e a volta do livre convencimento do juiz na culpabilidade ou não do réu na área criminal[24].
Em processo penal, muito mais do que o civil, impor uma flexibilização do sistema probatório tem o condão de inverter toda a responsabilidade do Estado de provar a culpa do investigado/réu, bem como a presunção de inocência, uma garantia constitucional. A flexibilização na produção de provas, tal como no caso relatado acima de obtenção de evidência a partir de um celular, pode impor ao investigado o dever de provar que não é culpado ou até mesmo de fornecer a senha para um policial analisar o conteúdo de conversas privadas. Vê-se que esta prática vem sendo difundida no Poder Judiciário criminal brasileiro sem quaisquer métodos ou parâmetros, mas, felizmente, contida nos Tribunais superiores[25].
Os limites ao que o juiz poderá ou não determinar na produção de provas são bem difíceis de se aplicar, pois não existem procedimentos ou métodos estabelecidos em lei ou construídos pelas partes envolvidas nas lides do Poder Judiciário[26]. Se há cooperação das partes em conformidade com o art. 6º do CPC[27], com vistas à produção da verdade (art. 77 do CPC), o juiz é partícipe da relação processual em busca da pacificação social. E se as partes não quiserem cooperar? E se elas se negarem a dizer a verdade e começarem a dificultar a investigação para não produzirem provas contra si mesmos, em conformidade com o art. 379 do CPC? Qual deverá ser a postura do juiz diante destes posicionamentos? Aliás, os incisos do art. 379 instigam ainda mais o estranhamento entre o direito de não produzir provas contra si mesmos com a cooperação processual. Os incisos determinam que incumbe à parte, mesmo no exercício de não produzirem provas contra si mesma, o de “comparecer em juízo, respondendo ao que lhe for interrogado” (inc. I), o de “colaborar com o juízo na realização de inspeção judicial que for considerada necessária” (inc. II) e o de “praticar o ato que lhe for determinado” (inc. III). E se a prática destes atos colocarem a parte numa posição de produzir provas contra si mesma?
Por exemplo, se um investigado tiver informações no seu celular que podem ser úteis à produção de provas num determinado processo, ele deve entregá-lo em juízo? E se o celular estiver bloqueado por sistemas de criptografia e senhas, deverá ele decriptografar a informação ou entregar a sua senha? Não estaria ele produzindo provas contra si mesmo? O juiz que conduzir uma investigação, em tempos de tecnologias de informação e comunicação, poderá desequilibrar a balança da justiça para uma posição favorável a uma das partes, em total detrimento ao contraditório e a ampla defesa. Qual seria a melhor maneira de equilibrar todas as garantias individuais, a produção de verdade no processo e o dever judicial do Estado de produzir decisões e juízos de valor fundamentados sobre um determinado fato a ele trazido?
Uma resposta única e definitiva para esta pergunta não existe. Mas podem-se construir várias respostas e possibilidades de se fechar esta equação, a priori, de quase impossível solução. Acreditar que uma das respostas esteja na forma atual de organização e procedimentos do Poder Judiciário é estar bem longe da realidade fática. A estrutura atual disponibilizada pelo Poder Judiciário, como relatou-se acima, está longe de entender esta equação.
Interessante solução foi a introduzida pelo legislador processual pelo art. 471 do CPC[28], em que as partes podem escolher os procedimentos e peritos para realizarem a produção de provas e que substituirá a do juízo. Este exemplo de autocomposição é muito interessante e, com certeza, é um das respostas a serem buscadas na solução da equação de três variáveis envolvendo garantias individuais (direitos fundamentais), verdade e poder decisório fundamentado do Estado.
Creio que, em breve, muitos dos processos deverão seguir a linha da autocomposição na produção de provas, pois evitaria o problema mais grave de todos os procedimentos judiciais: a falta de estrutura do Estado em ser garantidor de provas e a falta de conhecimento técnico para lidar com elas.
3. A Necessidade de Pensarmos em Cadeias de Custódia
As mudanças que foram produzidas pelo legislador processual não possuem condições de serem efetivadas na prática processual. Vários são os fatores existentes para elas não serem colocadas em prática. Uma delas, e a que mais ressalta aos olhos é a resistência da magistratura em fugir da armadilha conceitual da necessidade do seu livre convencimento.
Há uma fé inabalável neste pensamento de que o juiz ou desembargador devem ser convencidos de que o direito pertence a um parte em detrimento da outra. Fé não é uma palavra muito forte para descrever esta situação a que chegamos em pleno séc. XXI. Muitas decisões são baseadas na essência das partes e não nas provas que elas produzem nos autos. Exemplo que convivo diariamente é com ações contra o Google. Não raro, existem um questionamento ao juízo sobre as práticas do Google em quaisquer dos seus serviços. Em Janeiro de 2018, um juiz determinou que o Google não fere o direito à privacidade dos usuários ao oferecer serviços de publicidade dentro do seu serviço Gmail, ao se utilizar dos metadados destes e-mails. O serviço de publicidade, tal como informado pelo Google, oferece produtos e serviços aos usuários com base em seus comportamentos. O MPF enxerga neste tipo de serviço uma invasão de privacidade. Ao sentenciar, o juiz proclamou: “Verifico que em tópico próprio da Política de Privacidade da Google, ao abrir uma conta Google, o usuário precisa concordar expressamente, em janela específica, com o uso de dados, portanto não vislumbro ilicitude por parte da requerida”[29]. Mais adiante, o juiz argumentou em sua conclusão, “que a ação perdeu parte de seu objeto devido a uma mudança no e-mail corporativo oferecido pelo Google. De acordo com o juiz, o serviço corporativo não é mais usado como fonte para a personalização da publicidade”[30].
A sentença baseou-se somente nos argumentos e contratos jurídicos fornecidos pelo Google e não houve perícia para verificar o código fonte do software. Apenas um perito poderia averiguar o código fonte do programa, a fim de saber o que está por trás do serviço Gmail e descobrir se ele é o que o Google diz que é. Se assim não for, como se pode garantir a efetividade das práticas do Google sem se analisar o seu código para saber se ele realiza o que está na sua Política de Privacidade? Como pode um juiz basear todo a sua decisão sem ter provas de que elas ocorreram efetivamente? Quais dados foram analisados? Foram guardados aonde? Pode-se excluí-los? Enfim, existiriam uma infinidade de perguntas e elementos de prova que se perderam no meio deste processo e que ficarão sem respostas. O processo, como um todo, virou uma batalha de argumentações jurídicas que não têm fundamento com a realidade ou que acabam por olvidá-la.
Tal comportamento judicial não é raro, não ocorre somente com o Google e, infelizmente, é bem recorrente nas demandas em todo o Brasil. Contudo, este processo de construção de decisões servem para apaziguar o princípio do livre convencimento, mas não as garantias individuais nem a busca pela verdade material e, com certeza, elas não são decisões, mesmo que pareçam, bem fundamentadas.
É tão perniciosa esta convicção do princípio do livre convencimento que, recentemente, estive num evento de tecnologia e inteligência artificial, chamado “Cloud Day – Tecnologia na Justiça”[31]. O desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), Edison Brandão, apresentou uma solução que está sendo desenvolvida de se virtualizar as armas guardadas em custódia. A virtualização consiste num laudo emitido por um perito sobre a arma e suas características, processo, investigação, enfim, tudo relacionado àquela arma. Finalizado o procedimento de catalogação das armas, elas são destruídas e reaproveitadas para outros fins. Assustado com esta situação, perguntei ao desembargador sobre os problemas desta prática ser instituída, principalmente, no tocante da defesa dos direitos fundamentais. Decidi emendar mais uma pergunta relativa a falta de uma cadeia de custódia para assegurar a análise das evidências ao longo e após ao processo criminal. A resposta do desembargador foi de atacar a minha pessoa e a de todos os advogados, reforçando veementemente a ideia de que a virtualização é uma racionalização dos custos da guarda destas armas. Ao cabo de sua exposição, o desembargador concluiu que a instalação da cadeia de custódia é um argumento criado por advogados para criar nulidades processuais e evitar a atuação firme do Poder Judiciário. Ato contínuo, mesmo indagado novamente, o desembargador não respondeu mais às minhas perguntas e saiu do recinto sem enfrentar a questão principal: e a cadeia de custódia de provas no Poder Judiciário?
A cadeia de custódia é o local adequado para assegurar a guarda, a manutenção, a conservação e a disponibilização, em contraditório, de todas as provas trazidas aos processos criminais e cíveis, além das provas documentais, depositadas nos autos. Além disso, há que se ressaltar que a “cadeia de custódia contribui para manter e documentar a história cronológica da evidência, para rastrear a posse e o manuseio da amostra a partir do preparo do recipiente coletor, da coleta, do transporte, do recebimento, da análise e do armazenamento. Inclui toda a sequência de posse”[32].
Aury Lopes Jr. e Alexandre Morais da Rosa ressaltam a importância jurídica da cadeia de custódia:
“A preservação das fontes de prova, através da manutenção da cadeia de custódia, situa a discussão no campo da ‘conexão de antijuridicidade da prova ilícita’, consagrada no artigo 5º, inciso LVI da Constituição, acarretando a inadmissibilidade da prova ilícita. Existe, explica Geraldo Prado, um sistema de controle epistêmico da atividade probatória, que assegura (e exige) a autenticidade de determinados elementos probatórios”[33].
Ao se eliminar a cadeia de custódia, lembrando do caso das armas, o Poder Judiciário destrói a possibilidade do réu, condenado ou não, de rever as provas que foram utilizadas para a sua condenação, bem como de analisar todo o procedimento de virtualização que foi utilizado para a formação daquele laudo: quem é o perito? Tinha advogado ou assistente técnico de defesa no momento da sua formação? E se o laudo contiver erro procedimental que futuramente pode ser questionado? Sem a arma não podemos jamais refazer este laudo… Enfim, uma série de problemas e indagações jurídicas e fáticas que poderão ser feitas e inviabilizadas de serem revistas, porque o Poder Judiciário não quer arcar mais com os custos de guardar as armas num depósito para futura reavaliação. É a validação contínua do evidente[34].
Somente a instituição de uma cadeia de custódia em todas as comarcas do Poder Judiciário pode garantir a produção de provas que considere os 3 fatores da equação (garantias individuais, verdade e poder decisório fundamentado do Estado) do procedimento investigatório de processos cíveis e criminais. A ausência da cadeia de custódia nestes moldes pode transformar um processo judicial em criação de arbítrios, ataques às garantias fundamentais, produção de mentiras e contos de fada e o surgimento de decisões judiciais que não realizam a pacificação social.
Há que se notar com certa tristeza que o legislador processual cível acabou por se esquecer de regulamentar a obrigação do Estado de construir cadeias de custódia nos fóruns judiciários[35]. Para não se dizer que o legislador ignorou completamente a cadeia de custódia, no art. 311, inc. III, do CPC, em caso de tutela de evidência, determina que ao “se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa”. Mas não existe referência aonde ficarão os objetos custodiados, quem vai guardar, como será o acesso até ele, enfim, só um apontamento e não uma solução. Solução esta que só viria com a construção de procedimentos de segurança de informação, de acesso, armazenamento, guarda etc., que não existem ainda.
Aí, vê-se o descaso do legislador com toda a estrutura probatória de um processo judicial. Desenvolve-se toda uma série de normas legais para perícias documentais, técnicas, informáticas e testemunhais, só que não existe o enfrentamento sobre o lugar de guarda, manutenção, conservação e disponibilização destas provas produzidas. Quem é o custodiador senão o Estado? A quem incumbe distribuir as provas colhidas em contraditório e, faticamente, a manter em segurança os elementos de prova para que as partes e peritos tenham acesso a elas sem estarem alteradas ou possivelmente adulteradas? Ao se enfrentar esta última pergunta, há que se ressaltar que as provas colhidas de tecnologias de informação e comunicação ou biológicas possuem condições sui generis de guarda, pois podem ser alteradas mesmo sem a participação humana. Elas são suscetíveis de sofrerem influências de temperatura e pressão em seu continente, o que poderia mudar os conteúdos existentes e impedir, por exemplo, o estabelecimento de um nexo causal em relação ao fato investigado.
A tendência do Poder Judiciário é atribuir a guarda, manutenção e armazenamento das provas às partes e a terceiros que servirão de depositários dos elementos de provas colhidos. Não seria nenhum problema, por questão financeira, realizar este tipo de atribuição. Contudo, quais seriam os procedimentos e as responsabilizações? Que se saiba, nada foi feito neste sentido e as provas, como já vi inúmeras vezes, ficam à mercê de partes e terceiros sem quaisquer responsabilidades ou políticas de segurança de guarda, acesso e controle. Situações estas que podem influenciar no conteúdo das provas e no andamento processual.
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SMITH, ML; BRONNER; WE; SHIMOMURA, E.T. et al. Quality Assurance in Drug Testing Laboratories. Clin Lab Med, [S.l], v. 10, n. 3, p. 503-516, 1990. Disponível em: <http://www.labcorp.com/datasets/labcorp/html/chapter/mono/fo000700.htm>. Acesso em: 13 mar. 2012.
STRECK. Lênio Luiz. Limites do juiz na produção de prova de ofício no artigo 370 do CPC. Revista Consultor Jurídico. <https://www.conjur.com.br/2016-set-15/senso-incomum-limites-juiz-producao-prova-oficio-artigo-370-cpc>, acessado no dia 28.02.2018, às 16h52min.
REFERÊNCIAS NA INTERNET
JOTA – https://www.jota.info.
OBSERVATÓRIO DO MARCO CIVIL DA INTERNET – https://www.omci.org.br.
REVISTA CONSULTOR JURÍDICO – https://www.conjur.com.br.
G1 Globo – https://www.globo.com.
Superior Tribunal de Justiça – https://www.stj.jus.br.
[1] Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUCSP (2004), em História pela Universidade de São Paulo – USP (2005), Professor da FATEC Carapicuíba em Direito Empresarial (2006-2008) e Segurança Empresarial. Pesquisador do Grupo de Perícia Forense em Sistemas Informatizados do CnPq. Vice-Presidente da Comissão de Responsabilidade Social da OAB/SP (2006-2008). Professor do INFI FEBRABAN. Mestre em Direitos Humanos pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Doutorando em Direito Comercial pela USP.
[2] O que era permitido pelo art. 131 do CPC 1973: “O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que Ihe formaram o convencimento.”
[3] Tércio Sampaio Ferraz Jr., ao escrever a introdução do livro de Niklas Luhmann a Legitimação pelo Procedimento, fez este apontamento sobre as ideias do autor alemão, e no qual concordamos: “O tratamento que dá Luhmann ao problema da legitimidade se põe no terreno puramente fático. Uma estrutura jurídica é para ele legítima na medida em que é capaz de produzir uma prontidão generalizada para aceitação de suas decisões, ainda indeterminadas quanto ao seu conteúdo concreto, dentro de certa margem de tolerância”. http://www.terciosampaioferrazjr.com.br/?q=/publicacoes-cientificas/23, acessado no dia 01.03.2018, às 11h17min.
[4] https://www.aasp.org.br/noticias/trf-3a-trf3-torna-obrigatoria-impetracao-de-habeas-corpus-por-meio-eletronico-partir-de-2201/, acessado no dia 31.01.2018, às 10h52min.
[5] Na Declaração Universal dos Direitos do Homem, em seu art. 8º, há esta referência a proteção do cidadão contra atos abusivos do Estado: “Toda pessoa pode recorrer aos tribunais para fazer valer os seus direitos. Para isso, disporá de um processo simples e rápido, pelo qual a Justiça o ampare contra atos da autoridade que violem, com prejuízo seu, alguns dos direitos fundamentais consagrados constitucionalmente”.
[6] O Habeas Corpus existe no ordenamento jurídico brasileiro desde 1832, no art. 340 do Código de Processo Criminal: “Todo cidadão que entender que ele ou outrem sofre uma prisão ou constrangimento ilegal em sua liberdade, tem direito de pedir uma ordem de habeas corpus em seu favor”
[7] http://g1.globo.com/distrito-federal/noticia/2015/06/preso-envia-pedido-de-habeas-corpus-escrito-em-papel-higienico-para-o-stj.html, acessado no dia 31.01.2018, às 11h01min.
[8] Particularmente, prefiro elementos de provas, pois dizer somente prova pode atribuir uma essência de que exista uma essência de uma prova única que resolverá uma demanda de forma simples e direta. Não que não exista esta possibilidade, mas é muito raro de vir acontecer isto. Num processo, judicial ou não, são os elementos de provas que elucidarão, ou não, o litígio trazido na relação processual.
[9] O novo CPC trouxe uma inovação bem interessante que é o do testemunho de especialista, conforme o art. 464, §§ 2º, 3º e 4º. O CPC fala que o testemunho de especialista será em prova técnica simplificada e de baixa complexidade. Contudo, acreditamos que em provas periciais mais complexas e difíceis poderá se utilizar deste tipo de testemunho que traduzirá melhor o laudo pericial para as partes. O testemunho de especialista é uma grande inovação com vistas não somente ao direito fundamental à prova, mas, principalmente, ao escopo social do processo de pacificação social.
[10] Grande inovação trazida na prova pericial foi em direção da flexibilização e ampliação do direito à prova para os seus titulares, que, no caso, são as partes. Assim, seguindo o princípio instituído da distribuição do ônus da prova, criou-se a possibilidade legal das partes acordarem sobre os procedimentos periciais sem a direta participação do juiz. As partes podem nomear um perito em comum se forem plenamente capazes e/ou se a causa puder ser resolvida por autocomposição (art. 471 do CPC).
[11] Art. 1.014. As questões de fato não propostas no juízo inferior poderão ser suscitadas na apelação, se a parte provar que deixou de fazê-lo por motivo de força maior.
[12] Ver Cândido Rangel Dinamarco, Instrumentalidade do Processo.
[13] Instituições de direito processual civil, v. III, p. 47.
[14] Idem, p. 48.
[15] Artigo 8. Garantias judiciais: 1. Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza. 2.Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas: a. direito do acusado de ser assistido gratuitamente por tradutor ou intérprete, se não compreender ou não falar o idioma do juízo ou tribunal; b. comunicação prévia e pormenorizada ao acusado da acusação formulada; c. concessão ao acusado do tempo e dos meios adequados para a preparação de sua defesa; d. direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua escolha e de comunicar-se, livremente e em particular, com seu defensor; e. direito irrenunciável de ser assistido por um defensor proporcionado pelo Estado, remunerado ou não, segundo a legislação interna, se o acusado não se defender ele próprio nem nomear defensor dentro do prazo estabelecido pela lei; f. direito da defesa de inquirir as testemunhas presentes no tribunal e de obter o comparecimento, como testemunhas ou peritos, de outras pessoas que possam lançar luz sobre os fatos; g. direito de não ser obrigado a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada;
e h. direito de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior. 3. A confissão do acusado só é válida se feita sem coação de nenhuma natureza. 4. O acusado absolvido por sentença passada em julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos. 5. O processo penal deve ser público, salvo no que for necessário para preservar os interesses da justiça.
[16] O direito fundamental à prova, dentro do contexto constitucional brasileiro, encontra-se esparso ao longo das garantias individuais do cidadão, tais como, a título de exemplo, o devido processo legal (art. 5º, inc. LIV), o contraditório, a ampla defesa (art. 5º, inc. LV) e a vedação da prova obtida por meio ilícito (art. 5º, inc. LVI).
[17] Art. 370. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito.
[18] “Esse dispositivo se constituía no artigo 130 do CPC/73. Agora desdobrado em caput e parágrafo, não introduziu alterações sintáticas. Evidentemente, se o seu texto é o mesmo, a sua norma deverá ser diferente, na medida em que o CPC se inscreve em um novo paradigma de compreensão, isto é, do superado paradigma da subjetividade parte-se para a intersubjetividade. Isso quer dizer que o juiz, quando agir de ofício, não terá a liberdade de convencimento ou a liberdade de apreciação do quadro probatório como tinha no CPC derrogado.
“Mesmo que esteja autorizado a agir de ofício, não pode se colocar de um lado do processo, olvidando a necessária imparcialidade, que deve ser entendida, no plano do Constitucionalismo Contemporâneo, como o princípio que obriga o juiz a uma fairness (Dworkin), isto é, a um jogo limpo, em que as provas são apreciadas com equanimidade. Isso também quer dizer que, mesmo que possa agir de ofício, o juiz não o faça agindo por políticas ou circunstâncias de moralidade, e sim por intermédio dos princípios constitucionais.
“Ainda sob o império do CPC anterior, Nelson Nery Jr. e Rosa Maria Nery já advertiam que o poder instrutório (agir de ofício) deve sempre garantir a igualdade de tratamento às partes (CPC comentado, Revista dos Tribunais, 14. ed., 2014, p. 488). Por isso, o agir por princípios funciona como uma blindagem contra desvios do “agir de ofício”, podendo ser cobrados pela parte prejudicada em grau recursal, inclusive em sede de recurso extraordinário.[acrescento aqui um “bingo” que não consta nos Comentários].
“Ademais, há que se salientar que o próprio CPC estabelece disposições para controlar publicamente esse poder de agir de ofício. A principal ferramenta, nesse sentido, aparece prevista no artigo 10, que contemplou a proibição de decisão surpresa, inclusive para as decisões que versem sobre matéria que poderia ser apreciada de ofício. Assim, em casos tais, o juiz deve dar oportunidade de manifestação para as partes, visando um maior controle público das decisões. O poder de agir de ofício também não se confunde com o conhecimento de matérias a cujo respeito a lei exija a iniciativa da parte. Portanto, não é sobre qualquer matéria ou prova que o juiz tenha o poder de ofício. É o que a doutrina tem chamado de respeito ao princípio dispositivo. Na verdade, o poder de ofício diz respeito, primordialmente, aos direitos indisponíveis, podendo ser exercido também no segundo grau de jurisdição” <https://www.conjur.com.br/2016-set-15/senso-incomum-limites-juiz-producao-prova-oficio-artigo-370-cpc>, acessado no dia 28.02.2018, às 16h52min.
[19] http://g1.globo.com/videos/t/todos-os-videos/v/geoffrey-robertson-diz-que-juiz-que-investiga-nao-pode-ser-o-mesmo-que-julga/6446447/, acessado no dia 29.01.2018, às 17h43min.
[20] Os poderes do juiz. O Processo Civil contemporâneo, p. 95.
[21] Decisão extra petita, para Daniel Assumpção, é aquela que “concede tutela jurisdicional diferente da pleiteada pelo autor, como também a que concede bem da vida de diferente gênero daquele pedido pelo autor”. Novo Código de Processo Civil comentado artigo por artigo, p. 820.
[22] O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício
[23] Cabe aqui trazer a constatação crítica de Eduardo José da Fonseca Costa sobre a flexibilização do processo penal: “Infelizmente, aqui e ali, já se veem julgados admitindo no procedimento penal, por exemplo: a inversão do ônus da prova quando se apreende objeto furtado na posse do acusado, cabendo à defesa provar a origem lícita do bem (cf., v. g., STJ, 6ª Turma, HC 348.374/SC, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 10.03.2016, DJe 16.03.2016); a possibilidade de o juiz penal ordenar prova de ofício, ainda que num sistema acusatório (cf., e.g., STJ, 6ª Turma, RHC 58.186/RJ, rel. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 06.08.2015, DJe 15.09.2015). Ademais, já há respeitável produção doutrinária que, inspirada em cânones de eficiência, propugna uma «teoria geral da flexibilização do processo penal», da qual a flexibilização procedimental é tão só um diminuto capítulo (v., v. g., DEZEM, Guilherme Madeira. A flexibilização do processo penal. São Paulo: USP [tese de doutorado], 2013). Logo, nesse «clima ardente», em breve os tribunais admitirão acordos de delação premiada com cláusula eletiva do juiz homologador – embora incompetente – da preferência do Ministério Público”. <http://emporiododireito.com.br/leitura/abdpro-20-um-reclamo-aos-processualistas-civis-um-alerta-aos-processualistas-penais>, acessado no dia 19.02.2018, às 12h14min.
[24] Ao se ler atentamente a sentença do juiz Sérgio Moro na condenação do ex presidente Lula, é bem possível de se enxergar a influência do livre convencimento aplicado na área penal.
[25] O STJ decidiu que as provas obtidas a partir de conversas de Whatsapp, sem mandado judicial, são ilegais: “‘No caso, deveria a autoridade policial, após a apreensão do telefone, ter requerido judicialmente a quebra do sigilo dos dados armazenados, haja vista a garantia à inviolabilidade da intimidade e da vida privada, prevista no artigo 5º, inciso X, da Constituição’, afirmou o relator do recurso em habeas corpus, ministro Reynaldo Soares da Fonseca”. Cabe ressaltar que no mesmo processo o TJMG considerou legal tais provas obtidas desta forma: “O pedido de habeas corpus foi inicialmente negado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Os desembargadores consideraram legítimo o acesso a dados telefônicos na sequência de uma prisão em flagrante como forma de constatar os vestígios do suposto crime em apuração”.<http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Comunica%C3%A7%C3%A3o/noticias/Not%C3%Adcias/Reconhecida-ilicitude-de-provas-obtidas-por-meio-do-WhatsApp-sem-autoriza%C3%A7%C3%A3o-judicial>, acessado no dia 01.03.2018, às 12h19min.
[26] Neste sentido, a despeito do que pode fazer o Poder Legislativo, estou pensando numa solução que envolveria a participação do Poder Judiciário, dos peritos, da OAB e do Poder Executivo, representado pelas autoridades policiais, a fim de construir normas e procedimentos técnicos e jurídicos para um sistema de produção de provas lícitas e claras a todos os envolvidos, o que garantiria os direitos fundamentais de todos os cidadãos.
[27] “Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”
[28] Art. 471. As partes podem, de comum acordo, escolher o perito, indicando-o mediante requerimento, desde que: I – sejam plenamente capazes; II – a causa possa ser resolvida por autocomposição. § 1o As partes, ao escolher o perito, já devem indicar os respectivos assistentes técnicos para acompanhar a realização da perícia, que se realizará em data e local previamente anunciados. § 2o O perito e os assistentes técnicos devem entregar, respectivamente, laudo e pareceres em prazo fixado pelo juiz.§ 3o A perícia consensual substitui, para todos os efeitos, a que seria realizada por perito nomeado pelo juiz.
[29] Disponível em: <http://www.omci.org.br/m/jurisprudencias/arquivos/2018/jfpi_254634520164014000_29012018.pdf>, acessado no dia 27.02.2018.
[30] Idem.
[31] Disponível em: <https://www.jota.info/advocacia/estamos-a-5-anos-dos-primeiros-grandes-sistemas-de-ia-06102017>,acessado no dia 27.02.2018,.
[32] SMITH, ML; BRONNER; WE; SHIMOMURA, E.T. et al. Quality Assurance in Drug Testing Laboratories.
[33] Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2015-jan-16/limite-penal-importancia-cadeia-custodia-prova-penal>, acessado no dia 28.02.2018.
[34] “Provas dessa natureza (DNA, interceptações telefônicas, etc.) são muito importantes para o processo, mas trazem consigo um perigoso alucinógeno: a evidência. Como muito bem analisado por Rui Cunha Martins[4], o ‘ponto cego’ do direito é o evidente, pois ele seda os sentidos e tem um alto grau de alucinação. O ‘evidente’ cega, pois não nos permite ver, ele é “simulacro de autorreferencialidade” e se basta por si só. Erroneamente, somos levados a crer que o ‘evidente’ dispensa prova, afinal, é evidente! E aqui está o perigo: o desamor do contraditório (Cunha Martins). O processo penal então deve ser um instrumento de correção do caráter alucinatório do evidente, instaurando o contraditório e submetendo tudo ao fair play, ao jogo limpo de prova e contra-prova, exigindo do juiz um alto grau de maturidade psíquica para não se deixar sedar e cegar pelo evidente. Eis uma questão extremamente complexa e que vai cobrar um alto preço em vários pontos do processo penal, como por exemplo, na prisão em flagrante (afinal, não são poucos os que mentalmente operam assim: se foi ‘pego em flagrante’, para quê processo penal?), ou diante de uma ‘evidencia’ do DNA”. Idem, acessado no dia 28.02.2018, às 10h36min.
[35] No Processo Penal, a cadeia de custódia é requerida, mas sem definição sobre como será o procedimento de guarda e armazenamento. Cabe trazer o art. 6º do CPP sobre o início da formação da cadeia de custódia: “Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá: I – dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o estado e conservação das coisas, até a chegada dos peritos criminais; II – apreender os objetos que tiverem relação com o fato, após liberados pelos peritos criminais; III – colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias”. O art. 240 do CPC vai na mesma direção de formação e coleta de provas. O art. 170 do CPP informa que as perícias de laboratório, “os peritos guardarão material suficiente para a eventualidade de nova perícia. Sempre que conveniente, os laudos serão ilustrados com provas fotográficas, ou microfotográficas, desenhos ou esquemas”. O art. 159, § 6º, determina que havendo “requerimento das partes, o material probatório que serviu de base à perícia será disponibilizado no ambiente do órgão oficial, que manterá sempre sua guarda, e na presença de perito oficial, para exame pelos assistentes, salvo se for impossível a sua conservação”. Mas não diz aonde estariam estes materiais e em quais condições.