PROVIMENTO DE ACESSO BANDA LARGA VIA ADSL: Problemas Práticos da Implantação da Difusão das Tecnologias de Informação e Comunicação para todos[1]
Sumário: 1. Introdução – 2. O Provimento de Acesso à Internet: o Provedor – 3. A Internet de Banda Larga no Brasil: A Desnecessidade da Contratação de um Provedor – 4. A Competência da ANATEL para Regulamentar e Fiscalizar o Setor de Provimento de Acesso à Internet – 5. Dos Crimes Praticados pela ANATEL, Prestadoras de STFC e dos Provedores de Acesso à Internet – 6. Bibliografia.
Por Victor Hugo Pereira Gonçalves
1. Introdução
O desenvolvimento tecnológico mundial passa pela sociedade da informação que é capitaneada, além de outros veículos de comunicação e instrumentos, pela internet. Devido a sua estrutura e características, a internet será o meio de comunicação por onde se transmitirão, num futuro próximo, a maioria ou talvez a totalidade das informações, desejos, necessidades, relações pessoais, enfim, instrumento primordial de interatividade e convívio social. Neste passo, as tecnologias que permitem o ingresso das pessoas à internet vão evoluindo de forma descomunal, do acesso discado (dial-up), que a maioria das pessoas hoje se utilizam para acessarem à Rede, chegaremos à internet2 de banda larga, ou seja, alta velocidade de transmissão de dados, sons e imagens.
Dentro desta previsão e da comodidade, praticidade e custo fixo mais baixo do que o acesso dial-up, a tendência dos usuários é cada vez mais migrarem para a Internet de alta velocidade. Existem inúmeras tecnologias de acesso em alta velocidade, contudo, a mais difundida atualmente, até mesmo em razão dos investimentos feitos na área de Telecomunicações nos últimos 10 (Dez) anos, é a tecnologia ADSL (em inglês, Asymmetric Digital Subscriber Line, em português, Linha Digital Assimétrica para Assinante), fornecida pelas operadoras de telecomunicações, proprietárias das redes físicas.
Este mercado de Provimento de Acesso à Internet em alta velocidade, no entanto, vem sendo alvo de ilícitos concorrenciais, de crimes contra a economia e as relações de consumo, praticados pelas operadoras de telecomunicações e pelos Provedores de Acesso à Internet (PAI), com a anuência ativa da Agência Reguladora do setor de Telecomunicações, a ANATEL. Desta forma, estes ilícitos impedem o florescimento da livre iniciativa, de um maior desenvolvimento nacional de novas tecnologias e da inclusão digital da população à sociedade da informação.
O escopo principal deste trabalho é apontar os ilícitos cometidos neste mercado de Provimento de Acesso à Internet no serviço de banda larga ADSL, com fulcro especial à desnecessidade do provedor de acesso à internet na relação entre usuário e prestadora de STFC. Para isso, construir-se-á uma análise técnico-jurídica do fenômeno de infra-estrutura do acesso à internet, demonstrando como funciona um provedor de acesso e os serviços que presta aos seus usuários, quais são as formas de acesso à Internet (as tecnologias empregadas no acesso à internet), a atuação das operadoras de telecomunicações no provimento de acesso à internet, a competência e atuação da ANATEL na fiscalização e regulamentação deste setor etc.
2. O Provimento de Acesso à Internet: o Provedor
Diante da complexidade tecnológica do fenômeno da internet, que nem sempre é de fácil compreensão e assimilação, há que se realizar um estudo sobre o funcionamento de um Provedor de Acesso à Internet e qual a necessidade de sua contratação pelo usuário.
2.1. A Montagem de um Provedor de Acesso à Internet
Um Provedor de Acesso à Internet (PAI), ou ISP em inglês (Internet Service Provider), caracteriza-se somente por fornecer conexão de acesso do computador do usuário, pessoas físicas ou jurídicas, para a internet.
A estrutura física da internet funciona através de cabos telefônicos ou de fibras óticas, que interligam os computadores ao provedor e este ao mundo, com exceção dos serviços de ADSL, tais como Speedy, BrTurbo dentre outros[2], como adiante veremos.
O PAI caracteriza-se por oferecer um caminho seguro na Rede, protegendo o conteúdo do site hospedado em seu provedor do ataque de hackers e crackers (invasores de computador), para a navegação na internet do usuário. Dessa forma, deve manter funcionado 24 (vinte e quatro) hora por dia, 365 (Trezentos e sessenta e cinco) dias do ano os serviços de internet. A Associação Brasileira dos Provedores de Acesso, Serviços e Informações da Rede Internet (ABRANET), em seu site[3], orienta os usuários que queiram montar um Provedor de Acesso à Internet (PAI) a terem os seguintes equipamentos:
COMO FUNCIONA UM PROVEDOR DE ACESSO INTERNET ?
1. Qualquer pessoa ou empresa pode ser provedor de acesso Internet no Brasil. Não existe nenhuma legislação que impeça ou que exija certificação técnica.
2. O que o provedor precisa para funcionar?
2.1 Plataforma
- Softwares operacionais
- Servidores de Acesso (computadores conectados a linhas telefônicas) que recebem as chamadas dos usuários.
- Rádios que conectam o Provedor à Internet e por onde passam as informações do usuário após conectado.
- Servidores (Computadores e softwares) para armazenar os sistemas que permitem toda a operação: cadastramento de usuários (para autenticação do usuário), servidor de e-mail (correio eletrônico), servidor de web (hospedagem de páginas), servidor de chat (bate papo on line); servidores de segurança (secure Site Server); servidores de comércio eletrônico; Firewall (sistema de segurança contra invasões); Softwares diversos de controle da operação.[4]
A ABRANET esqueceu de informar que são necessários também para a montagem de um provedor de internet os seguintes ítens: links de transmissão de dados, frame-relay, no-breaks e roteadores. Aliás, deve-se ressaltar que sem estes ítens não existe a possibilidade de ser Provedor de Acesso à Internet.
Mais específica é a definição do art. 4º da Norma n. 04/95 do Ministério das Comunicações, que diz:
4.1. Para efeito desta Norma considera-se que o Serviço de Conexão à Internet constitui-se:
a) dos equipamentos necessários aos processos de informações, e dos softwares e hardwares necessários para o provedor implementar os protocolos da Internet (IP) e gerenciar e administrar o serviço;
b) das rotinas para administração de conexão à Internet (senhas, endereços e domínios na Internet);
c) dos softwares dispostos pelo Provedor de Serviço de Conexão à Internet, tais como correio eletrônico, acesso a computadores remotos, transferência de arquivos, acesso a banco de dados, mecanismo de controle de segurança e outros;
d) dos arquivos de dados, cadastros e outras informações dispostas pelo Provedor de Serviço de Conexão à Internet;
e) do hardware necessário para o provedor ofertar, manter, gerenciar e administrar os softwares e os arquivos específicos; e
f) outros hardwares e softwares especificados, utilizados pelo Provedor de Serviço de Conexão à Internet.
Dessa forma, seguindo as meias-orientações da ABRANET e a orientação técnica da Norma n. 04/95, conclui-se que um Provedor de Acesso à Internet deve ser o meio físico intermediário que liga o usuário à Rede Mundial da Informação. Além de fazer esta ligação, o Provedor deve oferecer serviços básicos de e-mail, autenticação e proteção contra invasores (Firewall), a fim de que possa manter a acessibilidade do usuário no momento que lhe convier. Existem provedores que fornecem e possuem também informações de interesse aos usuários, são os chamados “provedores de conteúdo”, em linguagem técnica, Provedor de Serviços de Informações (PSI), tais como o Terra, o UOL e a AOL.
Sem embargo, são 3 (Três) possibilidades para um provedor oferecer seus serviços: 1º) um provedor que fornece acesso à Internet pode não oferecer serviços de conteúdo, sendo apenas um Provedor de Acesso à Internet (PAI); 2º) um Provedor de Serviços Internet (conteúdo exclusivo, chat, etc.) que pode não realizar provimento de acesso à internet, que são somente provedores de Serviços de Informações (PSI); 3º) e, por fim, outros que conjugam ambos os serviços, que são os Provedores de Acesso e Serviços Internet (PASI).
Esta distinção realizada acima é de suma importância, pois, só os provedores do 1º e o 3º ítens fornecem serviços de provimento de acesso à internet. Desta forma, estes provedores são os intermediários entre as prestadoras de STFC e seus clientes, sendo, respectivamente, consumidor de serviços de telecomunicação e de fornecedor[5] de serviços de comunicação[6].
Os Provedores do 2º item apenas disponibilizam informações para usuários da internet, que possuem entre si apenas relação de fornecedor e consumidor, conforme os arts. 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor. Não há serviço de comunicação envolvido, pois o caminho lógico, o IP, para o usuário navegar na internet já lhe foi fornecido por outro Provedor. O PSI apenas fornece o endereço físico de sua página para ser localizada e acessada por toda a Rede Mundial[7]. Conclui-se, então, que o Provedor de Serviços e Informações está enquadrado no que prescreve o art. 61, § 1º, da Lei Geral de Telecomunicações.
Aliás, cabe aqui uma discussão sobre denominação técnica construída pela ANATEL, com intuito de desvirtuar a essência do provimento de acesso à internet e confundir propositadamente as normas a serem aplicadas no uso das redes de Telecomunicações, conforme constatada nas Consultas Públicas ns. 417 e 372. A Agência Reguladora diz que o objeto da consulta será o da “Regulamentação para o Uso de Serviços e Redes de Telecomunicações no Acesso a Serviços Internet”. Na verdade, como se observa da regulamentação, trata-se de normatizar o “Acesso à Internet”[8], já que, segundo a própria ANATEL, os serviços de internet não são objeto de regulamentação por serem de valor adicionado, conforme o art. 61, § 1º, da LGT.
O PAI, para fornecer serviços de acesso à internet, como vimos acima, deve contratar uma empresa prestadora de serviços de telecomunicações, possuidora das redes físicas locais (Brasil Telecom, Telefônica e Telemar), já que não há, como vimos acima, uma obrigação de compartilhamento de rede, nos termos do art. 154 e 155 da LGT, com possíveis concorrentes deste mercado[9]. Esta operadora fornecerá ao PAI a ligação estrutural física (link) de sua base de tecnológica até o usuário.
Outro aparelho fundamental no funcionamento, não só do provimento de acesso, mas, principalmente, da Rede Mundial de Informação é o Roteador[10]. O Roteador é um aparelho essencial na estrutura da internet, pois ele controla os “caminhos” da informação pela Rede.
Um Roteador é basicamente um gerenciador de Rede, um aparelho que se comunica a outros Roteadores do mundo inteiro, informando os endereços dos sites de internet hospedados em um provedor, dividindo a localização para todos outros pontos no globo, monitorando todas as conexões do cliente ao provedor e deste para ele.
Para ficar bem claro o que se está a descrever, abaixo está desenhada a estrutura de um Provedor de Acesso à Internet. Como se percebe, o Roteador é o aparelho que liga todo o sistema do provedor até a internet, controlando o fluxo de informações que entram e saem da Rede Interna até a Rede Mundial de Computadores.
Sucintamente, é dessa forma que deve se estruturar um Provedor de Acesso à Internet, a fim de prestar serviços relacionados com o provimento de acesso.
2.2. Acesso à Internet – A Necessidade de um Provedor
O PAI necessita da estrutura física de telecomunicações da STFC (backbone) para realizar a conexão do usuário, e para tanto contrata os serviços de instalação de links de Protocolo de internet (IP, em inglês). Cada link possui uma numeração ou uma faixa de números (bloco)[11], por exemplo, o seguinte: 200.300.566.23[12], que vai localizar o Provedor de Acesso à Internet a todos que estiverem conectados com a Rede.
O PAI fornece uma série de IP (válidos), para que o usuário possa se conectar à Rede, por meio de dial-up (por linha normal ou por ISDN) ou de frame-relay[13].
O dial-up é o meio mais comum de conexão à internet no Brasil, conforme o resultado da consulta Pública n. 372 da ANATEL. O usuário liga sua linha telefônica ao modem, que se conecta, através de discagem, ao modem do Provedor. Este disponibiliza um endereço IP (dinâmico)[14], dentre os vários que possui, para realizar a conexão final com a internet.
O link frame relay é uma abertura de quadros na conexão direta entre o Provedor de Acesso e o usuário, que é também vendido pela prestadora de serviços de STFC e assim é definido pela Telefônica Empresas S.A.:
“O serviço de FRAME RELAY, baseado no protocolo Frame-Relay, é um serviço de transmissão de quadros no qual cada quadro contém a informação de endereçamento (um ou mais endereços IP) necessário para a comunicação com o lado remoto. Possibilita quadros de comprimento variável para obter uma utilização mais eficiente da banda disponível.“(grifei)
Desta forma, o Provedor de Acesso oferece ao usuário uma série de endereços IP (fixo)[15], os quais ele poderá se conectar com a rede, com velocidade estipulada pela velocidade de transmissão do link.
Cabe ressaltar que os endereços IP, dinâmicos ou fixos, invariavelmente, deverão ser fornecidos pelo Provedor de Acesso, como doutrina também Marco Aurélio Greco:
“Em suma, para alguém se conectar à rede, ser reconhecido e poder transmitir e receber mensagens, vai precisar de um endereço lógico (permanente ou alocado temporariamente). Os usuários individualmente (como regra) não estão habilitados a utilizar nenhum endereço lógico. Quem ‘possui’ endereços lógicos disponíveis para utilização é o provedor de acesso que a cada conexão aloca um deles para cada internauta”[16].
Definiu-se acima os pontos mais relevantes deste trabalho, pois, delinou-se, pari passu, todas as funções que deve possuir um provedor para fornecer provimento de acesso à internet, tanto na sua infra-estrutura tecnológica como no seu funcionamento como meio de comunicação diferenciado, em que consiste na construção de uma infovia, de certa forma segura[17], de transmissão de dados.
Diante disto, no atual mercado de internet de Banda Larga, questiona-se se os PAI, dentro das soluções tecnológicas existentes e atuação das prestadoras de STFC, teriam o direito de cobrarem mensalidade dos usuários por serviços prestados. Mais especificamente, quem forneceria os endereços IP para os usuários, os PAI ou a prestadora de STFC. Existiria alguma forma de proteção, por meio de softwares ou hardwares (firewalls, roteadores, etc.), aos computadores dos usuários que contratam serviços de banda larga. E quem bloqueiaria o acesso dos usuários que não contratam o PAI, este ou a prestadora de STFC.
3. A Internet de Banda Larga no Brasil – A Desnecessidade de um Provedor
É a partir destes questionamentos que provar-se-á a desnecessidade da contratação do provedor no atual mercado de acesso à internet via banda larga, já que a prestadora de STFC realiza, per si, todas as funções que caberiam ao PAI. Este apenas torna-se, conscientemente, usurpador do dinheiro dos consumidores, com apoio incondicional da ANATEL, que distorce a legislação e os regulamentos, a fim de beneficiar esta política das prestadoras de STFC (Telefônica, Brasil Telecom e Telemar). Abaixo analisaremos o serviço oferecido por elas.
3.1. O Contrato de Prestação de Serviços de Acesso via Banda Larga
Quem iniciou no Brasil com a prestação de serviços de acesso via banda larga, na tecnologia ADSL (em inglês, Asymmetric Digital Subscriber Line, em português, Linha Digital Assimétrica para Assinante), foi a Telefônica Empresas S.A[18], sendo seguida pelas demais operadoras. A tecnologia ADSL permite a transferência digital de dados em alta velocidade, por meio de linha telefônica de cobre comum, com pares trançados. O sistema divide sua linha em duas, uma para telefone, e outra para dados. Baseada numa linha telefônica especial, esta tecnologia atinge de 256 Kbps até 9 Mbps[19] no downstream (provedor -> assinante) e até 1 Mbps no upstream (assinante -> provedor) – um desempenho muito superior à média atual, que é de 56 Kbps.
Além da adaptação da linha telefônica, que é, de certa forma simples, a prestadora de STFC instala um modem-roteador[20] ADSL, o qual aluga mensalmente aos usuários, conforme a Cláusula 7.1.3 do Contrato de Prestação de Serviços[21]. Serão cobrados os valores do aluguel, automaticamente, na conta de telefone, de acordo com a Cláusula 7.2. Cabe lembrar que o contrato determina que o modem-roteador é de propriedade da prestadora de STFC, segundo a Cláusula 4.2.
Ao descrever o seu produto a prestadora de STFC, além das definições acima trazidas, diz em sua Cláusula 2.1.2 que:
“Para configurar o Produto SPEEDY, será atribuído pela TELECOMUNICAÇÕES DE SÃO PAULO S.A., via Rede IP, um endereço IP fixo ou dinâmico”.
Adiante, na Cláusula 2.2, amplia a noção dos seus serviços em relação ao apresentado na Cláusula 2.1.2:
“Para prestação do acesso SPEEDY, entende-se como PTP o ponto de conexão física à Rede de Telecomunicações da CONTRATADA, localizado no imóvel correspondente ao endereço do CONTRATANTE, que atende às especificações técnicas necessárias para permitir, por seu intermédio, o produto individual ao Produto SPEEDY”.
Neste contrato, fica obrigada, confome a Cláusula 3.1, a prestadora de STFC a:
“Fornecer, ativar e manter o acesso até o PTP, sendo responsável pela configuração, supervisão, manutenção e controle dos elementos envolvidos no Produto SPEEDY”.
3.2. A Não Existência de Serviços Prestados pelo PAI – Uma Análise Técnico-Jurídica
Da confrontação do que é um Provedor de Acesso à Internet (PAI), ponto 2, com os serviços prestados pela prestadora de STFC, como vimos acima, cabe uma indagação: qual é a função que resta ao PAI de acesso via banda larga, na tecnologia ADSL?
Na verdade, o Provedor de Acesso à Internet de banda larga, na tecnologia ADSL, não exerce nenhuma das funções a que se incumbe como prestador de serviços, tal como prescrito no art. 4º da Norma n. 04/95 e nas recomendações da ABRANET. Senão, vejamos:
O PAI não realiza a conexão do modem-roteador do usuário até a Rede, quem o faz é prestadora de STFC. Esta também, como vimos na Cláusula 2.1.2, atribui ao usuário um endereço lógico IP, que estará conectado a sua estrutura física (Cláusula 2.2), guiando-o à internet. A prestadora de STFC igualmente realiza e assegura, conforme a Cláusula 3.1, “fornecer, ativar e manter o acesso até o PTP (sua estrutura física de telecomunicações)“. Ora, se a prestadora de STFC fica encarregada de fornecer, ativar e manter o acesso, compreende-se a necessidade dela possuir meios tecnológicos para afastar, com softwares e hardwares adequados, os possíveis vírus, vermes, cavalos de tróia e hackers que existem na internet, para dar continuidade à conexão do usuário, o que, de fato, não ocorre, conforme ver-se-á abaixo.
Conclui-se, portanto, que as funções exercidas pelo PAI, tal como delineado no art. 4º da Norma n. 04/1995 e nas especificações da ABRANET, estão sendo realizadas, no acesso à internet via tecnologia ADSL, pela prestadora de STFC, que assume todas as responsabilidades pelo fornecimento da conexão, sua manutenção e segurança[22].
É fácil a comprovação técnica destas alegações: por exemplo, tome-se o endereço IP do modem-roteador de n. 200.204.85.252, este, aliás, é assinante do Provedor de Acesso à Internet, Terra Networks, e façamos o traceroute (traçar a rota) dos caminhos pelos quais passam as informações requeridas, elas sairão desta forma abaixo:
Tracing route to 200.204.85.252 [200.204.85.252]…
Hop rtt rtt rtt ip address domain name
1. 0 0 0 216.46.228.241 port-216-3073265dal16509b drtn.devices.datareturn.net
2. 0 0 0 64.29.192.237 daa.g901.disb.datareturn.com
3. 0 0 0 64.29.192.226 daa.g921.ispb.datareturn.com
4. 0 0 0 209.246.152.201 gigabitethernet3-0 101.ipcolo2.dallas1.level3.net
5. 0 0 0 209.244.15.97 gigabitethernet10-2.core1.dallas1.level3.net
6. 0 0 0 208.172.131.225 acr1-so-6-0-0.dallas.cw.net
7. 0 0 0 208.172.130.103 agr3-loopback.dallas.cw.net
8. 80 50 51 208.172.98.62 acr2-loopback.miami.cw.net
9. 50 50 40 208.172.97.150 telefonica-wholesale.miami.cw.net
10. 160 150 160 213.140.37.41 so6-0-0-0-grtsaoco1.ri.telefonica-data.net
11. 140 160 150 213.140.50.94 tempresas-6-0-1-0-grtsaoco1.ri.telefonica-data.net
12. 150 150 160 200.207.252.201 pos-6-0-br-spo-co-rt1.bbone.telesp.net.br
13. 150 161 150 200.205.255.114 pos-12-0-0-br-spo-mb-rc2.bbone.telesp.net.br
14. 140 140 150 200.207.240.133
15. 150 160 151 200.206.206.162 200-206-206-162.dsl.telesp.net.br
16. * * *
17. 160 161 170 200.204.85.252 200-204-85-252.dsl.telesp.net.br[23]
Nota-se claramente que, em nenhum momento, desde quando a informação saiu do endereço IP (IP adress) n. 216.46.228.241 até o modem-roteador de IP n. 200.204.85.252, que nos serviu de exemplo, os dados trafegaram na estrutura física do Provedor de Acesso à Internet, o Terra, tal como se configura neste traceroute:
Rastreando a rota para www.terra.com.br [200.176.3.142]
com no maximo 30 saltos:
1. <10 ms <10 ms <10 ms 192.168.10.1
2. <10 ms <10 ms 1 ms gw.fpsnet.com.br [200.205.199.9]
3. 1 ms 1 ms 1 ms 200.205.199.1
4. 344 ms 300 ms 355 ms 200.204.221.1.customer.telesp.net.br [200.204.221.1]
5. 273 ms 216 ms 300 ms pos-1-4-br-spo-ib-rt1.bbone.telesp.net.br [200.205.255.97]
6. 540 ms 498 ms 209 ms 200.205.255.86
7. 45 ms 45 ms 45 ms 200-204-225-38.customer.telesp.net.br [200.204.225.38]
8. 45 ms 46 ms 46 ms terra-g-8-0-0-core1-sao.tc.terra.com.br [200.177.255.225]
9. 69 ms 71 ms 70 ms terra-s-1-2-1-0-core1-poa.tc.terra.com.br [200.176.7.125]
10. 70 ms 72 ms 72 ms terra-v-101-rsw1b-poa.tc.terra.com.br [200.176.0.29]
11. 76 ms 76 ms 75 ms www.terra.com.br [200.176.3.142]
Rastreamento completo.
Ou neste aqui de um site hospedado no Provedor Terra:
Rastreando a rota para ultraconline.com.br [200.177.105.242]
com no maximo 30 saltos:
1. <10 ms <10 ms <10 ms 192.168.10.1 (GATEWAY CHORUS )
2. <10 ms 1 ms 1 ms gw.fpsnet.com.br [200.205.199.9] ( FIREWALL – CHORUS )
3. 20 ms 3 ms 2 ms 200.205.199.1 (ROTEADOR CHORUS – CHORUS –>>TELEFONICA )
4. 1111 ms 434 ms 386 ms 200-204-221-1.customer.telesp.net.br [200.204.221.1] (ROTEADOR CHORUS-TELEFONICA–>CHORUS )
5. 158 ms 450 ms 392 ms pos-1-4-br-spo-ib-rt1.bbone.telesp.net.br [200.205.255.97] ( BACKBONE TELEFONICA )
6. 265 ms 423 ms 630 ms 200.205.255.86 ( ROTEADOR TERRA / TELEFONICA )
7. 65 ms 331 ms 174 ms 200-204-225-38.customer.telesp.net.br [200.204.225.38] (ROTEADOR TERRA / TELEFONICA )
8. 193 ms 398 ms 456 ms terra-f-4-0-dist3-sao.tc.terra.com.br [200.177.255.230] (ROTEADOR TERRA )
9. 711 ms 475 ms 461 ms lp-105-241.sao.terraempresas.com.br [200.177.105.241] (ROUTER TERRA – CONEXAO FRAME RELAY )
10. 293 ms 471 ms 514 ms ultraconline.com.br [200.177.105.242] (ROUTER ULTRACON)
Rastreamento completo.
3.2.1. A falta de proteção ao computador do usuário da banda larga
Outrossim, deve-se colocar a questão da proteção do usuário contra ataques de hackers, que visam, entre outras coisas, a derrubar a sua conexão. A prestadora de STFC responsabiliza-se, ao fornecer e ativar o acesso do usuário, à mantê-lo conectado à Rede 24 (Vinte e quatro) horas por dia, todos os dias do ano. Depreende-se disto que ela, prestadora de STFC, como Provedora de Acesso à Internet, deva proteger o usuário de seus serviços de possíveis ataques de hackers, o que de fato não ocorre.
De acordo com a reportagem do Caderno de Informática do Estado de São Paulo[24], de 16 de Junho de 2003, a “banda larga é um playground de invasor”. Através da opinião de especialistas em informática, ressalta a reportagem a vulnerabilidade do acesso em banda larga fornecidos pelas prestadoras de STFC-PAI[25]. Diz o engenheiro de sistemas da Symantec, Ricardo Mello Costa: “É um verdadeiro playground para invasores. Muitos usuários de banda larga ficam muito tempo conectados e têm IP fixo.” “Muitos usuários estão tendo o micro invadido e nem percebem”, complementa o gerente de suporte da América Latina da Network Associates, José Matias Neto. A reportagem recomenda a compra pelos usuários de firewalls (protetor de rede), para evitarem ser atacados ou deixarem vulnerável a sua máquina.
É de se espantar tal recomendação. Ora, como existe o provimento de acesso à internet, fica encarregado o Provedor, com softwares e hardwares especializados, a proteger e manter a conexão dos usuários na Rede, contra qualquer ameaça interna ou externa. Determina o art. 4º, alíneas a e c, da Norma n. 04/1995, em que o Provedor deverá “gerenciar e administrar o serviço” (alínea a), com vistas a colocar softwares à disposição dos usuários, “tais como correio eletrônico, acesso a computadores remotos, transferência de arquivos, acesso a banco de dados, mecanismo de controle de segurança e outros” (alínea c).
Sedimentado que o PAI é o responsável pela proteção do usuário que ingressa na internet, por quê este encontra-se totalmente desprotegido? De acordo com o esposado acima, fica à cargo da prestadora de STFC-PAI a instalação dos mecanismos de segurança, de correio eletrônico, transferência de arquivos etc., já que ela efetivamente presta todo o serviço de acesso à Internet, o que atualmente não ocorre.
Então, digamos que é o PAI, aprovado pelas prestadoras de STFC, que deveria proteger o usuário, já que disto provém a necessidade de sua remuneração, tal como defende Daniela de Oliveira Tourinho para justificar a sua exigência na contratação da banda larga, diz ela:
“De qualquer modo, com ou sem terceirização, os provedores prestam efetivamente aos usuários o serviço de acesso à Internet, realizando, diretamente e em demasia, outros serviços necessários e indispensáveis ao funcionamento, à segurança e à manutenção do provimento de acesso e arcando com todos os custos inerentes à utilização da infra-estrutura específica que possibilita o acesso de alta velocidade à Internet. Daí decorre, também, que a remuneração paga pelos usuários aos provedores não se confunde com o preço cobrado pelas empresas de telecomunicações (aluguel do modem e mensalidade), uma vez que os serviços são distintos, complementares e sucessivos.”[26]
Entretanto, a reportagem do Estado de São Paulo derruba este argumento, pois não há qualquer mecanismo de controle e segurança efetivo atuando no acesso dos usuários à internet. Dessa forma, constata-se claramente que não há serviço algum prestado tanto pela prestadora de STFC, que fornece o acesso de alta velocidade, como pelo Provedor de Acesso à Internet (PAI), que finge prestar algum serviço.
- O bloqueio dos acessos dos que não pagam provedores de “acesso”
Para reforçar ainda mais a tese de que é a prestadora de STFC que fornece acesso à internet de alta velocidade, via tecnologia ADSL, elenca-se mais uma razão para confirmar estas afirmações, qual seja, o bloqueio do acesso de usuários que não pagam pelos “serviços” do PAI habilitado.
A prestadora de STFC faz um cadastro dos usuários com PAI contratado e bloqueia aqueles que não estão, através de um software de identificação[27], de acordo com a reportagem do Estado de São Paulo, “Uso do Speedy sem provedor terá bloqueio”[28]. Nesta reportagem, o próprio presidente da ABRANET, Roque Abdo, confessa que o PAI não têm nenhum controle sobre o sistema utilizado, pois, implicitamente, confirma que não fornece acesso à internet e, em sua defesa, apenas diz que os provedores estão perdendo milhões se não for realizado desta forma.
As prestadoras de STFC, mesmo sabendo da ilicitude de suas atividades, continuam o bloqueio dos acessos. Recentes determinações judiciais tentam impedir este tipo de prática ilegal, o que vem sendo rechaçadas pelas prestadoras de STFC, que visam, através de novos procedimentos, burlar a vedação legal da venda casada, instituída pelo art. 39, incs. I e IV, do Código de Defesa do Consumidor, que prescreve:
“Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:
I – condicionar o fornecimento do produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;
(…)
IV – prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços”
Dessa forma, as prestadoras de STFC e os PAI habilitados oneram o usuário, com o único intuito de auferirem mais lucros num mercado altamente oligopolizado.
- Conclusão
É tão nítida a desnecessidade da contratação de um provedor de acesso à internet de alta velocidade em questão, que nem a prestadora de STFC, em seu contrato antigo de prestação de serviços, recomendava ou obrigava os usuários a tal contratação.
Contudo, recentemente, percebendo-se que a força do poder econômico estava sendo ameaçada por decisões judiciais, as prestadoras de STFC começar a estipular em seus contratos a obrigatoriedade em contratar um provedor. Evidentemente que de um contrato antigo para o recente não foi alterado o cerne e a essência da prestação de serviços de provimento de acesso à internet via banda larga. Conclui-se disto que não é requisito técnico de funcionamento do sistema tal contratação. Dessa forma, torna-se incontroversa tal questão apresentada da contratação do PAI.
Se ainda restava dúvidas sobre as informações prestadas pela operadora de STFC em seu contrato de prestação de serviços, somadas com as desenvolvidas neste trabalho, sobre a desnecessidade do Provedor de Acesso à Internet no atual estágio do provimento de acesso via ADSL, com os traceroutes e depoimentos de especialistas na área feitos acima, não há mais qualquer controvérsia neste caso. O PAI não fornece acesso à internet para o usuário que contrata a conexão ADSL no Brasil e no Mundo
Então, o que resta ao Provedor de Acesso à Internet (PAI) a fazer neste caso, pois ele fica incumbido apenas a fornecer serviços de conteúdo ao usuário (chat, correio eletrônico, informações jornalísticas etc.), ou seja, serviços de valor adicionado, conforme o art. 61, parágrafo 1º, da LGT. Ora, a ANATEL orienta e obriga os usuários a contratarem um PAI para somente fornecer espaço para armazenar e-mails, chats, conteúdos exclusivos etc., sem que ele realmente conecte-o à Rede, ou o proteja de ser invadido ou de ter seus arquivos copiados e apagados. Dessa forma, questiona-se o por quê: dos usuários não terem o direito de escolher o Provedor de Serviços Internet (PSI), dentre todos os existentes, em vez de serem obrigados a contratarem os que a prestadora de STFC determina como “habilitado”; das prestadoras de STFC não serem multadas e fiscalizadas pela ANATEL, órgão estritamente técnico a serviço dos consumidores, nos casos comprovados de venda casada; dos modem-roteadores serem alugados indefinidamente pela prestadora de STFC; e da velocidade da conexão garantida pela prestadora de STFC ser apenas 10% da velocidade que é oferecida. Logicamente, como vimos acima, não há razão alguma para tais diferenciações de produtos e serviços, tal como tenta impingir a ANATEL, as empresas de telecomunicações e PAI habilitados.
Aliás, pode-se fazer outras tantas indagações sobre a atuação da ANATEL, das prestadoras de STFC e também dos próprios Provedores de Acesso à Internet habilitados, que só prejudicam uma parte, o usuário. São estes crimes atentatórios à economia popular, aos consumidores e à concorrência, que serão esmiuçados logo abaixo.
4. A Competência da ANATEL para Regulamentar e Fiscalizar o Setor de Provimento de Acesso à Internet
Diante dos ilícitos acima constatados, pergunta-se se seria atribuível à ANATEL regulamentar e fiscalizar o provimento de acesso à internet, tanto por acesso discado ou conexão direta. Mais especificamente, existiria a competência legal para esta Agência regulamentar este fenômeno de provimento de acesso à internet. Em caso positivo, quais as razões técnicas que poderia apresentar para não agir, a fim de coibir tais ilícitos.
Estas indagações estão localizadas no intenso debate na sociedade brasileira atual sobre a atuação das Agências Reguladoras, principalmente, da ANATEL, dos rumos da internet e sua influência no desenvolvimento sócio-econômico nacional. Ao se considerar as novas perspectivas econômico-concorrenciais proporcionadas pela internet e sua relevante importância social, a ANATEL – Agência Nacional de Telecomunicações, foi criada pelo art. 8º da Lei Geral de Telecomunicações n. 9.472/97.
Dentre as suas atribuições do art. 19 da LGT, vem a ANATEL realizando consultas públicas para receber sugestões sobre os problemas relacionados à internet, tais como a cobrança das tarifas de chamadas do STFC (Serviço Telefônico Fixo Comutado) na internet e da falta de Provedores de Acesso à Internet na maior parte do território nacional, sendo que a maioria deles se concentra no Sul e Sudeste.
Tais consultas públicas objetivam apresentar estudos para a implementação da universalização dos serviços de Telecomunicações e a inclusão digital da sociedade brasileira na Era da Informação[29]. Contudo, a ANATEL focaliza apenas uma aresta desse complexo fenômeno. O problema da carência de Provedores de Acesso nos confins do Brasil não se relaciona somente com o valor da tarifa telefônica, mas, sobretudo, com a ausência de políticas governamentais concorrenciais direcionadas a este setor.
A edição desse regramento regulatório, bem como sua implementação e fiscalização efetivas, restam a cargo justamente da aludida Agência Reguladora – ANATEL. A apontada carência de regulação resulta ainda mais sensível, tendo-se em conta o modelo político-econômico adotado pela Constituição Federal, posteriormente às Reformas Constitucionais iniciadas em 1995, as quais transformaram sobremaneira a feição outrora estatizada do âmbito econômico de nossa Carta Magna. Muitas vezes, bem como visto na regulação e fiscalização do provimento de acesso à internet de alta velocidade, na tecnologia ADSL, a Agência utiliza-se de subterfúgios exegéticos convenientes, a fim de se desincumbir de suas responsabilidades.
4.1. Prestação de Serviços de Telecomunicações: O Novo Paradigma Constitucional
O novo paradigma econômico-constitucional adotado pelo Estado Brasileiro, sob influência do Consenso de Washington, determina que este deixe de prestar diretamente alguns serviços públicos, sob o objetivo político de garantir a melhoria na qualidade e oportunidade de sua fruição[30], destituindo os monopólios das empresas estatais antes existentes, as quais foram paulatinamente privatizadas[31].
Contudo, a contrapartida dessa tomada ideológica de posição quanto aos determinantes constitucionais econômicos implica que, deixando de prestá-los diretamente, o Estado se compromete a regulá-los e fiscalizá-los[32], principalmente para assegurar a liberdade concorrencial nos novos setores econômicos instalados[33].
O instrumento jurídico “criado” para essa função de regulação e fiscalização destes setores econômicos, oriundo do direito norte-americano, consiste na idéia de agência. Segundo Maria Sylvia Zanella di Pietro, as agências podem ser de dois tipos. O primeiro consistiria naquelas que exercem, com base em lei, poder de polícia. O segundo, o que nos interessa, seria o das “que regulam e controlam as atividades que constituem objeto de concessão, permissão ou autorização de serviço público (telecomunicações, energia elétrica, transportes, etc.)”.
Ainda segundo a autora, “as segundas é que constituem novidade maior no direito brasileiro, pelo papel que vêm desempenhando, ao assumirem os poderes que, na concessão, permissão e na autorização, eram antes desempenhados pela própria Administração Pública Direta, na qualidade de poder concedente. E esse papel vem sendo assumido quando o objeto da concessão é um serviço público, como nas hipóteses elencadas no art. 21, XI e XII, da Constituição, e quando o objeto da concessão é a exploração de atividade econômica monopolizada, como nas hipóteses do art. 177” (2002, p. 403).
Dentro desse contexto, destaca ainda Zanella di Pietro, que “em matéria de telecomunicações e de petróleo, as Emendas Constitucionais nº 8-95 e 9-95 alteraram, respectivamente, a redação dos artigos 21, XI, e 177, S 2º, III, para prever a promulgação de lei que disponha sobre a exploração dessa atividades e a instituição de seu órgão regulador. Com base nesses dispositivos, foram criadas a Agência Nacional de Telecomunicações – Anatel” (2002, p. 89).
Contudo, embora a concepção econômico-constitucional tenha sido alterada, os princípios determinados pelo constituinte não se alteraram de forma alguma. Ao revés, ganharam posição ainda mais destacada, uma vez erigidos à circunstância de garantias constitucionais praticamente únicas em relação ao tema ora analisado (liberdade concorrencial e proteção do consumidor)[34].
Nunca é demais ressaltar que o artigo 170 da Carta Magna impõe que a ordem econômica deve observar, dentre outros, os seguintes princípios: livre concorrência; defesa do consumidor; busca do pleno emprego e, tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sede e administração no País (incisos, respectivamente, III, IV, V, VII, VIII e IX). Ademais, o parágrafo único ressalva que é “assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica”[35].
Na busca de concreção desses princípios constitucionais devem agir todos os elementos integrantes da sociedade, principalmente a ANATEL, órgão público destinado constitucionalmente a tal função. É que, como afirma o constitucionalista germânico Peter Häberle, “no processo constitucional estão potencialmente vinculados todos os órgãos estatais, todas as potências públicas, todos os cidadãos e grupos, não sendo possível estabelecer-se um elenco cerrado ou fixado com numerus clausus de intérpretes da Constituição” (1991, p. 13).
Nessa mesma trilha, também é oportuno atentar para os ensinamentos de Konrad Hesse, que afirma que “embora a Constituição não possa, por si só, realizar nada, ela pode impor tarefas. A Constituição transforma-se em força ativa se essas tarefas forem efetivamente realizadas, se existir a disposição de orientar a própria conduta segundo a ordem nela estabelecida, se, a despeito de todos os questionamentos e reservas provenientes dos juízos de conveniência, se puder identificar, a vontade de concretizar essa ordem. Concluindo, pode-se afirmar que a Constituição converter-se-á em força ativa se fizerem-se presentes, na consciência geral – particularmente, na consciência dos principais responsáveis pela ordem constitucional -, não só a vontade de poder (Wille zur Macht), mas também a vontade de Constituição (Wille zur Verfassung)”.
E prossegue: “um ótimo desenvolvimento da força normativa da Constituição depende não apenas do seu conteúdo, mas também da sua práxis. De todos os partícipes da vida constitucional, exige-se partilhar aquela concepção anteriormente por mim denominada vontade de Constituição” (1991, p. 19-21).
De certa forma, sintetizando esse raciocínio, Eduardo García de Enterría reza que: “La supremacía de la Constitución sobre todas las normas y su carácter central em la construcción y en la validez del ordenamiento en su conjunto, obligan a interpretar éste en cualquier momento de su aplicación – por operadores públicos o por operadores privados, por Tribunales o por órganos legislativos o administrativos – en el sentido que resulta de los principios y reglas constitucionales, tanto los generales como los específicos referentes a la materia de que se trate (1986, p. 33)”.
Ora, nos termos do artigo 174, da Lex Legum, “como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento”. Já se mencionou, e adiante será visto mais amiúde, os fundamentos pelos quais se credita à ANATEL a atividade de vigilância no setor econômico examinado.
A atividade de fiscalização da Economia, conforme Eros Roberto Grau, “no contexto deste art. 174, significa prover a eficácia das normas produzidas e medidas encetadas, pelo Estado, no sentido de regular a atividade econômica. Essas normas e medidas (…) hão de necessariamente estar a dar concreção aos princípios que conformam a ordem econômica” (2001, p. 317).
No campo específico das telecomunicações, Alexandre D. Faraco leciona que “certas características econômicas das atividades, assim como a posição dos antigos monopólios, tornariam inócua a mera revogação de proibições legais à entrada no mercado. Assim, a desregulação e a introdução da concorrência só se viabilizam, paradoxalmente, com o desenvolvimento de uma regulação voltada de modo específico à geração de condições concorrenciais onde elas não se verificam”. O autor prossegue afirmando que “a opção política pela introdução de concorrência nas telecomunicações envolve a criação e a aplicação de todo um novo conjunto normativo. Isso significa que o movimento de modificação institucional verificado neste setor não pode se limitar à eliminação de normas jurídicas. Esse processo vem acompanhado da edição de outras normas, sem as quais a reestruturação setorial seria impensável”.
E conclui: “não se trata apenas da implementação de uma regulação assimétrica às atividades do antigo monopolista, visando a conter o exercício por este do poder econômico que detêm na passagem de uma estrutura monopolizada para outra baseada na concorrência. Em um setor cuja organização se baseia na existência de uma rede unificada, a criação de um ambiente concorrencial depende diretamente do desenvolvimento de uma disciplina específica para o uso desta, sem o que é absolutamente impossível se cogitar da prestação dos respectivos serviços em bases concorrenciais” (2003, p. 68).
Diante desta perspectiva normativa e doutrinária, não se concebe motivos pelos quais pode a ANATEL continuar a se ausentar de sua missão constitucional de regulação e fiscalização da área econômica ora tratada, pois, segundo Lucia Valle Figueiredo, “a intervenção do Estado na ordem econômica justifica-se se e na medida da consagração dos valores assinalados no texto constitucional e pertinentes, sobretudo, à ordem econômica” (1998, p. 77)[36].
4.2. Da Competência da ANATEL na Fiscalização e Regulamentação do Acesso à Internet
A ANATEL adverte que a internet não faz parte dos serviços de Telecomunicações, sendo considerado um Serviço de Valor Adicionado aos serviços de Telecomunicações, pois traz “novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação, movimentação ou recuperação de informações”, nos moldes do art. 61, caput, da Lei nº 9.472/97 – Lei Geral de Telecomunicações. Ora, tal argumentação, de maneira alguma pode eximir a ANATEL de sua competência legal-constitucional de regulamentação e fiscalização das atividades econômicas relativas à internet no Brasil, como ocorre atualmente.
Primeiramente, faz-se necessário analisar os aspectos técnico-jurídicos inerentes ao funcionamento das redes de telecomunicações. O art. 60 da Lei de Telecomunicações define no seu § 1º, in verbis:
“Telecomunicação é a transmissão, emissão ou recepção, por fio, radioeletricidade, meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético, de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza.”
Nestes termos, a internet em nada se diferencia, em sua infra-estrutura, de um serviço de Telecomunicação, embora tenha-o por suporte, pois, em sua essência, é um serviço de transmissão de informações, sons e imagens, por meio de linha telefônica, cabo ou por sinais de rádio, de um emissor a um receptor, que podem ser tanto computadores como outros aparelhos eletrônicos (televisão, celulares etc.). Subsume-se, portanto, os serviços relativos à internet ao conceito geral de serviço de telecomunicação previsto no artigo 60 do diploma citado, não na exceção constante do artigo 61 da mesma norma, ambos já descritos.
A corroborar essa afirmação sempre oportuno lembrar-se das palavras do Prof. Newton de Lucca, que diz:
“A linha telefônica é o meio do qual normalmente se serve o usuário para conectar-se ao provedor de acesso e deste para a Internet. Há outras formas, no entanto, menos conhecidas, como, por exemplo, o acesso à Internet pela TV a cabo ou através de um recurso denominado Speeds, adaptado à linha convencional pela companhia telefônica, que torna o acesso à Internet muito mais rápido, além de proporcionar melhor qualidade de som e de imagem. Para conectar-se à rede, como se sabe, o usuário necessitará, também de um modem – aparelho que efetua a conversão dos sinais sonoros transmitidos pelo telefone em sinais passíveis de ser reconhecidos pelo computador – e de um browser, vale dizer, um programa de computador que permite ao usuário escolher e utilizar as funções oferecidas pela Internet, fluindo pela páginas www. Os browsers que estão a disposição do usuário e mais conhecidos no mercado são: o Internet Explorer, da Microsoft; o Spry e o Netscape Navigator, da Netscape (agora da AOL), entre outros (2001, p. 84).”
A competência da ANATEL para regular e fiscalizar os serviços de telecomunicações, ademais do respaldo constitucional, é fixada pelo art. 19 da LGT, que determina:
“Art 19. À Agência compete adotar as medidas necessárias para o atendimento do interesse público e para o desenvolvimento das telecomunicações brasileiras, atuando com independência, imparcialidade, legalidade, impessoalidade e publicidade, e especialmente:
(…)
X – expedir normas sobre prestação de serviços de telecomunicações no regime privado;
XI – expedir e extinguir autorização para prestação de serviço no regime privado, fiscalizando e aplicando sanções;
(…)
XVIII – reprimir infrações dos direitos dos usuários;
XIX – exercer, relativamente às telecomunicações, as competências legais em matéria de controle, prevenção e repressão das infrações da ordem econômica, ressalvadas as pertencentes ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE.”
Os incisos transcritos ilustram, com clareza, os principais pontos que a ANATEL deverá fiscalizar e regulamentar, com especial atenção. Dentre eles, e são os que mais interessam neste caso, destacam-se os que determinam, impreterivelmente, a atuação da agência no controle, fiscalização e repressão na prestação de serviços de telecomunicações e na implementação da concorrência entre os prestadores.
Dessa forma, não existe razão técnico-jurídica a fundamentar a omissão da ANATEL quanto à sua obrigação de fiscalizar e regulamentar as relações econômico-concorrenciais oriundas da internet, tal como prescrito no art. 19 da Lei n. 9.472/97, posto que relacionadas diretamente com a sua competência administrativa.
Assim sendo, não se pleiteia que a ANATEL regulamente as relações jurídicas que surjam em razão da relação do Provedor com o usuário ou das relações advindas da utilização deste no e pelo browser de navegação à Internet (crimes na internet, spam, cookies, vírus, etc.), mas tão somente as relações jurídicas relativas ao uso da infra-estrutura de Telecomunicações da internet, ao controle do tráfego de dados e informações, à atuação dos Provedores como prestadores de serviços de Telecomunicações, às questões relacionadas com a Concorrência entre Provedores e estes com as prestadoras de serviços de Telecomunicações. Em suma, requer-se a regulação das relações concorrenciais vinculadas às atividades econômicas nascedouras da internet.
Da maneira como entendido e, sobretudo, praticado por aquela Agência Reguladora, é como se a internet existisse apenas mediante o que se apresenta na tela do computador. Na verdade, o fenômeno da internet abrange muito mais do que isso; engloba toda uma infra-estrutura de serviços de telecomunicações, tais como roteadores, firewalls, linhas de transmissão, Protocolos de Internet (IP), Provedores de Acesso, etc.
Neste sentido, já decidiu o Egrégio Superior Tribunal de Justiça, em julgado, a seguir transcrito, tido pelos especialistas como o leading case nessa seara:
“TRIBUTÁRIO. PROVEDOR DE INTERNET. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE COMUNICAÇÃO, ESPÉCIE DE SERVIÇO DE TELECOMUNICAÇÃO. RELAÇÃO DE NATUREZA NEGOCIAL COM O USUÁRIO. FATO GERADOR DE ICMS DETERMINADO. INCIDÊNCIA. LEI COMPLEMENTAR N. 87/1996. LEI N. 9.742/1997.
Recurso Especial interposto contra v. Acórdão que entendeu que “o provedor de acesso à internet não presta serviço de comunicação ou de telecomunicação, não incindindo sobre a atividade por ele desempenhada o ICMS”.
O Provedor de Internet é um agente interveniente prestador de serviços de comunicação, definindo-o como sendo ‘aquele que presta, ao usuário, um serviço de natureza vária, seja franqueando o endereço na INTERNET, seja armazenando e disponibilizando o site para a rede, seja prestando e coletando informações etc. É designado, tecnicamente, de Provedor de Serviços de Conexão à INTERNET (PSC), sendo a entidade que presta o serviço de conexão à INTERNET (SCI)’. (Newton de Lucca, em artigo ‘Títulos e Contratos Eletrônicos’, na obra coletiva Direito e INTERNET’, pág. 60)
O provedor vinculado à INTERNET tem por finalidade essencial efetuar um serviço que envolve processo de comunicação exigido pelo cliente, por deter meios e técnicas que permitem o alcance dessa situação fática.
O serviço prestado pelos provedores está enquadrado como sendo de comunicação, espécie dos serviços de telecomunicações.
A Lei Complementar n. 87, de 13.09.1996, estabelece, em seu art. 2º, que incide o ICMS sobre ‘prestações onerosas de Serviços de Comunicação, por qualquer meio, inclusive a geração, a emissão, a recepção, a transmissão, a retransmissão, a repetição e a ampliação de comunicação de qualquer natureza’, círculo que abrange os serviços prestados por provedores ligados à INTERNET, quando os comercializam.
Qualquer serviço oneroso de comunicação está sujeito ao pagamento de ICMS.
A relação entre o prestador de serviço (provedor) e o usuário é de natureza negocial visando a possibilitar a comunicação desejada. É suficiente para constituir fato gerador do ICMS.
O serviço prestado pelo provedor pela via de INTERNET não é serviço de valor adicionado, conforme o define o art. 61, da Lei n. 9.472, de 16.07.1997.
Recurso provido[37]“
Por outro lado, e apenas ad argumentandum tantum, mesmo que se admitisse equivocado o raciocínio exposto acima, não poderia a ANATEL se eximir da sua competência funcional de fiscalizar e regulamentar o fornecimento de acesso à internet. É que tal competência também poderia ser encontrada no que dispõe o art. 61, § 2º, da Lei de Telecomunicações, que preconiza:
“É assegurado aos interessados o uso das redes de serviços de telecomunicações para prestação de serviços de valor adicionado, cabendo à Agência, para assegurar esse direito, regular os condicionamentos, assim como o relacionamento entre aqueles e as prestadoras de serviço de telecomunicações.”
Sob um prisma, ou por outro, resta evidenciado que a ANATEL, nos termos do art. 19, incs. X, XI, XVIII e XIX, c.c. os arts. 60 e 61, § 2º, da Lei n. 9.472/97, possui a função constitucional-legal de controlar e regulamentar a atividade econômica de provimento de acesso à internet, a qual não exerce neste momento[38], com as conseqüencias a seguir examinadas.
4.3. Ausência de Concorrência no Provimento de Acesso à Internet – Problemas Estruturais
Em conseqüência do modelo de privatização brasileiro, que seguiu o modelo econômico-estatal imposto pelo Banco Mundial, criou-se posições dominantes e poder de mercado[39] para os vencedores da licitação do Sistema Telebrás. Prova disto é o fato de que a infra-estrutura de Telecomunicações, antes estatal, passou para o controle de empresas privadas como Brasil Telecom, Telemar, Telefônica, que exercem o domínio sobre essas redes físicas. Entretanto, conforme determina a Lei de Telecomunicações – arts. 154 e 155-, estas empresas que compraram o Sistema Telebrás são obrigadas a permitir o uso de sua rede física às empresas-espelhos concorrentes (Intelig, Vésper, etc.), nos casos e condições a serem fixadas pela ANATEL[40].
Contudo, não haveria complicações no sistema adotado, que concede monopólio sobre toda a estrutura de telecomunicações, se houvesse fiscalização e regulamentação sobre a atuação estrutural destes concessionários, independentemente da configuração de comportamentos abusivos, desleais ou limitadores da concorrência e dos direitos do consumidor. A ANATEL, ao fiscalizar e regulamentar este mercado de telecomunicações, deveria ter em mente o art. 6º da LGT, que se fundamenta no postulado constitucional contido no artigo 170 da Carta Magna, já citado:
“Art 6º Os serviços de telecomunicações serão organizados com base no princípio da livre, ampla e justa competição entre todas as prestadoras, devendo o Poder Público atuar para propiciá-la, bem como para corrigir os efeitos da competição imperfeita e reprimir as infrações da ordem econômica.”
Não é porque a lei infraconstitucional permite e cria posição dominante e poder de mercado, que não se deve buscar promover a entrada de novos concorrentes ao mercado de telecomunicações, limitando, se for necessário, a atuação das concessionárias monopolistas do setor, a fim de impor os ditames constitucionais e legais sobre a liberdade de concorrência, inclusive nesse específico setor[41].
Neste sentido, é sempre conveniente lembrarmos as lições de Calixto Salomão Filho:
“No setor de telecomunicações a situação parece mais clara. A opção do legislador pelo sistema concorrencial é bem mais evidente. Como na regulamentação da energia elétrica procura-se de início eliminar as características estruturais do setor a aproximá-lo dos monopólios naturais (2002, p. 226).”[42]
Constata-se, claramente, que no Setor das Telecomunicações existe forte barreira à entrada de concorrentes[43], pois a instalação de nova infra-estrutura de cabos e fibras óticas é muito cara e dispendiosa, tornando-se inviável economicamente aos futuros ingressantes no mercado. Diante desta perspectiva fática, urge a necessidade e o dever da ANATEL de fixar as condições do acesso e uso dos meios físicos das telecomunicações, através do compartilhamento (unbundling), conforme os moldes dos arts. 154 e 155 da LGT[44]. Calha à fiveleta, sobre o problema da interconexão e do compartilhamento, a análise perpetrada pelo Prof. Calixto Salomão Filho:
“A primeira preocupação é garantir o amplo acesso de todas as operadoras à rede pública de telecomunicações[45], bem de valor inestimável e que não pode nem física nem economicamente ser duplicado. Por essa razão a Lei Geral de Telecomunicações (Lei n. 9.472, de 16 de julho de 1997) estabelece a obrigatoriedade da interconexão à rede pública (art. 147, que as denomina de “redes de telecomunicações destinadas a dar suporte à prestação de serviços de interesse coletivo”) ao mesmo tempo que dispõe que esta deverá ser realizada de forma não discriminatória e em estímulo à competição (art. 152) – (2002, p. 226).”
Por outro lado, mas no mesmo sentido, também é de se levar em consideração a tese defendida por Alexandre D. Faraco:
“…a interconexão não compromete o uso econômico que se pode fazer da rede. Continua sendo possível ao seu titular empregá-la na oferta de serviços próprios. Da mesma forma, é devida uma remuneração pelo uso da rede decorrente da interconexão. Apenas limita-se a possibilidade de recusar-se o transporte de informações originadas a partir da rede de terceiros ou o acesso dos usuários de outros prestadores aos serviços oferecidos.
“A imposição de um dever nesses termos não representa uma subtração do direito de propriedade. Caracteriza apenas um condicionamento que o adequa ao preenchimento da função social a ser atendida por uma rede de telecomunicações.
“Nessa perspectiva, a disciplina das redes de telecomunicações trazida pela LGT reflete uma concretização do princípio da função social da propriedade sobre bens de produção, consagrado no artigo 170, III, da CF. Referência a tal circunstância é feita de forma expressa no artigo 146, III, da LGT, segundo o qual ‘o direito de propriedade às redes é condicionado pelo dever de cumprimento de sua função social’, o qual aparece vinculado, nos termos do caput, do dispositivo, à organização das ‘redes como vias integradas de livre circulação’.
“Ademais, depende diretamente dessa forma de organização, baseada na interconexão das redes existentes, a realização de certos direitos básicos que a LGT atribui aos usuários dos serviços de telecomunicações, especialmente o direito à liberdade de escolha da prestadora do serviço e o de não ser discriminado quanto às condições de acesso e fruição do serviço (2003, p. 85)”.
Nestes termos, verifica-se que embora exista a previsão legal para tal atuação da ANATEL, conforme antes exposto, esta se omite na sua obrigação de agir na regulamentação da estrutura das telecomunicações, com fulcro na promoção da efetiva concorrência no mercado. Como conseqüência da ausência de regulamentação no setor, a infra-estrutura da informação concentra-se nos detentores das redes físicas regionais, e, por isso, desobrigados a compartilhar suas redes com possíveis ingressantes no mercado, passam a controlar preços e impedir novas empresas de ingressarem no mercado; ademais, monitoram fluxos de dados e usam abusivamente sua posição dominante, dentre outras condutas vedadas pela legislação concorrencial.
Dessa maneira, os concorrentes dos monopolistas, para oferecerem serviços na mesma área de atuação, ficam à mercê de acordos bilaterais, com os detentores das redes físicas, sempre pautados pela desigualdade e pelo desequilíbrio econômico. Os detentores de monopólio, ademais, nem sempre respeitam as cláusulas de tais contratos, pois não há fiscalização efetiva da competente agência reguladora, a fim de limitar o comportamentos anti-concorrenciais (concorrência desleal; venda casada; exercício de forma abusiva posição dominante, etc.).
Para ilustrar como ocorrem tais circunstâncias, é bem significativa a situação do mercado de provimento de acesso à Internet. Por exemplo: uma prestadora de serviços de longa distância ou uma empresa-espelho decide fornecer serviços de instalação de links IP para Provedores de Acesso à Internet. Estas empresas garantem a seus clientes a manutenção da rede ligada 99,99% do tempo, colocam à disposição seus roteadores e técnicos, disponibilizam uma velocidade de fluxo de dados e o preço a ser pago por todos estes serviços.
Realizados todos os serviços para preparar o cliente a ser Provedor de Acesso à Internet, a prestadora de serviços de telecomunicações de longa distância ou a empresa espelho já deveriam permitir o cliente a fornecer acesso à internet. Contudo, não é assim que têm ocorrido nesse mercado.
Como a rede física das telecomunicações encontra-se controlada por um oligopólio, sem qualquer obrigação de compartilhamento de rede (o que deveria ser objeto de regulamentação por parte da ANATEL – arts. 154 e 155 da LGT), a ligação final do link, bem como as estações de transmissão e roteadores até concorrente, fica à cargo destes detentores.
A fim de que possam valer-se das redes físicas, as concorrentes realizam contratos com os detentores destas, mediante paga, realizem as ligações necessárias. No entanto, o que pode impedir aos detentores das redes de se recusarem a ligar um link ou promover um atraso na conexão para o cliente, Provedor de Acesso, para venderem serviços seus a preços menores?
Efetivamente, não existem barreiras a tais atos anti-concorrenciais, pois não há qualquer fiscalização ou regulamentação por parte da ANATEL para evitar tais comportamentos. E é tal situação que concretamente se verifica nesse setor do mercado. Conseqüentemente, ficam o consumidor e o mercado sujeitos à imposição do detentor da rede física da venda de seu serviço em detrimento dos concorrentes, dos consumidores e da própria liberdade concorrencial. Diante disto, pode-se chegar às raias do absurdo do Provedor de Acesso à Internet pagar por dois links, quando apenas necessitaria de um para garantir a seus clientes acesso à Rede.
São padrões concorrenciais como estes os adotados pelas detentoras das redes físicas que dominam e controlam a internet brasileira, como também assinala o economista Paul Krugman a respeito dos Estados Unidos[46].
Constata-se, portanto, que o oligopólio das telecomunicações e da internet só se concretiza pela ação desastrosa e omissão da Agência Reguladora, que permite a atuação desenfreada e perniciosa dos grandes grupos econômicos, que controlam toda a infra-estrutura da Rede, bem como o fluxo global de informações e dados, livres de toda e qualquer fiscalização ou legislação específica.
Por outro lado, a ausência de regulamentação no setor de Telecomunicações no Brasil, que possa atender à necessidade, à dinâmica do mercado e à defesa do consumidor, acarretam graves riscos à livre iniciativa e a concorrência na infra-estrutura e no desenvolvimento da internet no Brasil. Não há qualquer fiscalização ou controle das atividades das prestadoras de serviços de Telecomunicações e dos Provedores de Acesso; tampouco há regulação dos aparelhos e softwares que controlam os dados trafegados pela Rede. Assim, a internet fica vulnerável, não somente aos ataques de hackers, mas, principalmente, à espionagem industrial, à cartelização de mercados e formação de trusts, monopólios regionais e oligopólios nacionais. Além de molestar a liberdade concorrencial constitucionalmente assegurada, obstruem a universalização das Telecomunicações e, conseqüentemente, a inclusão digital dos brasileiros na sociedade mundial da informação.
Diante dessa comissão e omissão da ANATEL, somadas a falta de combatividade da Secretaria de Direito Econômico, uma empresa de Telecomunicações, que detém a infra-estrutura de redes e cabos de telecomunicações, pode possuir também um Provedor de Acesso à Internet. Dessa maneira, permite a ANATEL o desenvolvimento de monopólios regionais, que impedem a fomentação e proliferação do setor de internet no país: isso tanto quanto aos Provedores de Acesso como à própria difusão desta nova mídia de comunicação em massa.
O prestador de serviços de telecomunicações, ao controlar um provedor de internet, detém um poder absoluto sobre o tráfego e o fluxo de informações produzidas na Rede. Através de aparelhos e softwares avançados, o prestador de serviços de telecomunicações/provedor pode impor e monitorar comportamentos, impedir a livre circulação de informações e pessoas, destruir e bloquear sites, desligar conexões físicas de provedores, etc.
É estranho verificar que a ferramenta jurídica inibitória desse comportamento e assecuratória da liberdade concorrencial existe, estando consubstanciada nos artigos 5º e 61, caput, da Lei Geral de Telecomunicações (que visam coibir a concentração deste mercado nas mãos das poderosas empresas telefônicas). Entretanto, a mesma não é efetivamente aplicada pelos órgãos constitucional-legalmente responsáveis – principalmente, ANATEL, e, subsidiariamente, a Secretaria de Direito Econômico e o CADE, os quais dão as costas à necessidade de regulamentar e fiscalizar o Setor[47].
Dentro destas perspectivas, propugna-se, aqui, que a ANATEL inicie discussão ampla com a sociedade brasileira, a fim de regulamentar os aspectos relacionados com a infra-estrutura das Telecomunicações e as atividades econômicas vinculadas à internet.
De que maneira regular os aparelhos e ferramentas tecnológicas das telefônicas e impedir o monitoramento do fluxo de informações na internet? Qual a modalidade da responsabilidade civil das telefônicas sobre interceptações e invasões através de seus roteadores (subjetiva ou objetiva)? Como fomentar a concorrência na internet de Banda Larga e promover as novas tecnologias de acesso à internet? Existem muitas outras indagações e colocações sobre o assunto que até hoje não foram feitas e que são de suma importância para a expansão e o incremento da internet, com vistas a permitir a inclusão digital do povo brasileiro.
Caso a ANATEL, órgão a quem incumbe legal-constitucionalmente a vigilância deste setor, não coibir o liberalismo eletrônico atualmente vigente, a exclusão digital da população aumentará sensivelmente (por falta de opções de acesso à Rede) e o desenvolvimento econômico-tecnológico nacional continuará dependente de incentivos exógenos.
4.4. Regulamentação e Fiscalização do Provimento de Acesso à Banda Larga
No mercado de provimento de acesso à internet de banda larga a atuação da ANATEL não foge destas características acima apontadas. Há um completo descaso por parte desta Agência Reguladora; além da falta de apuro técnico na prestação das informações sobre as tecnologias existentes neste mercado de alta velocidade, o desapego aos direitos constitucionais e legais dos consumidores de telecomunicações é patente.
A ANATEL, nos seus comunicados e pareceres técnicos, tem se manifestado, reiteradamente, que o provimento de acesso à internet é um serviço de valor adicionado, conforme o art. 61, § 1º, da LGT, que, aliás, serve de base jurídica para a prática das prestadoras de STFC, que sempre conclui:
“As operadoras telefônicas, por meio de sua autorização de Serviço de Rede de Transporte de Telecomunicações, devem suportar o serviço de conexão à Internet, fornecendo os meios necessários a tal fim.
“As operadoras telefônicas, concessionárias do Serviço Telefônica Fixo Comutado, somente podem fornecer o meio de telecomunicações para a interligação entre usuário e provedor. A hipótese de ela mesma prestar o Serviço de Conexão à Internet está condicionada a constituição de empresa com este objetivo exclusivo.
“As provedoras de Internet que queiram utilizar o acesso em alta velocidade devem contratá-lo junto à operadora, nas condições comerciais oferecidas pela mesma, já que essa prestação dá-se no regime privado que garante a livre fixação de preços.
“Os usuários que queiram utilizar o acesso ADSL devem contratá-lo junto à prestadora de serviços de telecomunicações e, para acessar a Internet, precisam firmar contrato com alguma das provedoras de Internet que estejam conectadas à rede da prestadora de serviços de telecomunicações.”[48]
Assim sendo, dentro desta visão, não permite a ANATEL que a prestadora de serviços de Telecomunicações forneça diretamente acesso à internet. Por exemplo, a Telefônica, através do seu serviço de banda larga Speedy, mesmo não necessitando de provedor, obriga o usuário a contratar um Provedor de Acesso à Internet (PAI), para poder vender estes serviços, senão estaria burlando um preceito legal.
No entanto, da análise estrutural do provimento de acesso à internet, tal como feita na sentença do STJ, supra transcrita, esta interpretação da agência é surpreendemente equivocada e absurda, porque não diferencia os diversos aspectos relacionados ao acesso à rede mundial de computadores. É estarrecedora a argumentação da ANATEL, pois, emanada de um órgão estritamente técnico, que visa atender ao interesse público, implementando política nacional de telecomunicações (art. 19, inc. I, da LGT), e que deveria, portanto, ser instância imparcial e de alto conhecimento científico para decisões relacionadas com as Telecomunicações.
Exemplo claro da atuação desastrosa da ANATEL, no tocante a defesa da concorrência no setor de telecomunicações, mais especificamente na regulamentação da infra-estrutura de acesso à internet de alta velocidade, está na edição da Resolução n. 272, de 9 de Agosto de 2001[49].
A partir desta Resolução, e para não admitir a sua atuação irresponsável na regulamentação do setor de telecomunicações, principalmente em relação ao provimento de acesso à Internet de alta velocidade, o que vimos acima, a ANATEL criou o Serviço de Comunicação Multimídia (SCM), que tem como objetivo, conforme o art. 3º do Anexo à Resolução n. 272/01, o seguinte:
Art. 3º O Serviço de Comunicação Multimídia é um serviço fixo de telecomunicações de interesse coletivo, prestado em âmbito nacional e internacional, no regime privado, que possibilita a oferta de capacidade de transmissão, emissão e recepção de informações multimídia, utilizando quaisquer meios, a assinantes dentro de uma área de prestação de serviço.
Conforme o art. 4º, inc. I, do Anexo à Resolução n. 272/01, a informação multimídia é:
Art. 4º Para os fins deste Regulamento, aplicam-se as seguintes definições:
I – Informações Multimídia: sinais de áudio, vídeo, dados, voz e outros sons, imagens, textos e outras informações de qualquer natureza;
Percebe-se que se tratam de um mesmo objeto ao se confrontarem as análises feitas acima sobre a natureza técnico-jurídica do provimento de acesso à internet com o recém-criado Serviço de Comunicação Multimídia (SCM), qual seja, um serviço de telecomunicações tal como descrito no art. 60 da LGT.
Ora, a ANATEL gastou o seu tempo para regulamentar uma orientação que já seguia anteriormente. Aliás, denominou diferentemente um serviço de telecomunicações de Serviço de Comunicação Multimídia, pois, na verdade, está aí criado pela ANATEL um factóide muito pernicioso à defesa da concorrência e do consumidor no Brasil no setor de telecomunicações. Através deste jogo falacioso, a ANATEL cria um serviço que, a priori, tecnicamente, não se diferencia em nada do que existe e que já prescreve o art. 60 da LGT, com o objetivo claro, tal como apontado no art. 7º, parágrafo único, do Anexo da Resolução n. 272/01, que escancara:
Art. 7º É assegurado aos interessados o uso das redes de suporte do SCM para provimento de serviços de valor adicionado (SVA), de forma não discriminatória e a preços e condições justos e razoáveis.
Parágrafo único. A Anatel deverá estabelecer regras que assegurem a utilização das redes de SCM para suporte ao provimento de SVA, dispondo também sobre o relacionamento entre provedores destes serviços e prestadoras do SCM, conforme previsto no § 2º do art. 61, da Lei n.º 9.472, de 1997. (grifei)
A ANATEL, com este art. 7º do Anexo da Resolução n. 272/01, está permitindo às operadoras, por meio de uma suposta prestação de Serviços de Comunicação Multimídia, realizarem, primeiro, o serviço de suporte de telecomunicações de provimento de acesso à internet, o que já o são de fato, e, segundo, o mais importante, a venda casada de produtos seus para os usuários de internet banda larga, principalmente, via tecnologia ADSL[50], em detrimento da concorrência tal como apregoada pelo art. 5º da LGT.
Há que se ressaltar que nada mudou para o ensejo desta nova legislação, pois a convergência tecnológica, caminho inexorável no futuro das tecnologias de informação e comunicação, realiza-se sobre o mesmo suporte de telecomunicações, que, com isso, ganha novas utilidades e aproveitamentos para tarefas que outrora não era capaz de desenvolver. É absurdo ter de se realizar a construção desta proposição, contudo, em decorrência desta atuação da ANATEL, deve-se colocar que a convergência não cria divergência tecnológica. Ou seja, há a ampliação do uso do mesmo meio físico e não uma restrição dele, o que não altera, por isso, a sua característica de serviço de telecomunicações.
Aliás, a ANATEL mantém a coerência de antes da Resolução n. 272/01, ou seja, continua a defender a diferenciação de que provimento de acesso à internet é somente Serviço de Valor Adicionado (SVA), e não deve ser confundido com serviço de telecomunicações, tal como prestado pelas prestadoras de STFC, o que é, como vimos, demonstrar uma incapacidade e incompetência técnica que não caracteriza a Agência.
Dentro das regras do silogismo, o Serviço de Valor Adicionado é aquele que se realiza sobre um suporte de telecomunicações, e com ele não se confunde. O provimento de acesso à internet é um serviço que permite a transmissão de dados, imagens e sons por uma outra lógica[51] de comunicação, que não é igual ao do telefone, da transmissão de rádio ou televisão e do Serviço de Comunicação Multimídia (SCM), mas que são, mesmo assim, considerados serviço de telecomunicações. Então, o provimento de acesso à internet não é Serviço de Valor Adicionado.
Portanto, diante de todo o exposto, provou-se que a competência legal atribuída à ANATEL não está sendo cumprida. Da análise de toda a infra-estrutura que envolve o provimento de acesso em alta velocidade, percebe-se, nitidamente, a omissão e comissão desta Agência Reguladora, juntamente com as prestadoras de serviços de telecomunicações e os PAI habilitados, na venda casada, no uso abusivo de posição dominante, no desrespeito às normas constitucionais e legais, enfim, nos diversos crimes cometidos contra à ordem econômico-financeira e aos consumidores do Brasil, que serão abaixo especificados.
5. Dos Crimes Praticados pela ANATEL, Prestadoras de STFC e dos Provedores de Acesso à Internet
Portanto, a partir da conclusão de que a prestadora de STFC realiza o provimento de acesso à internet nos serviços de banda larga, via tecnologia ADSL, a exigência principal feita, com o apoio integral da ANATEL, aos usuários para a contratação de um provedor, e as acessórias de cobrança indefinida de aluguel de modem-roteador, a utilização de apenas 10% da velocidade contratada, os aumentos abusivos, a interrupção do funcionamento da Rede etc., têm como escopo exercer de forma abusiva posição dominante no mercado de telecomunicações, além de dominar mercado relevante de bens e serviços, tal como prescreve os arts. 20, incs. II e IV, da Lei n. 8.884/94:
Art. 20. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados:
(…)
II – dominar mercado relevante de bens ou serviços;
(…)
IV – exercer de forma abusiva posição dominante.
Em decorrência destas atividades, surgem inúmeras atividades criminosas prescritas em lei e realizadas pela ANATEL, pelas prestadoras de STFC e pelos PAI no provimento de acesso à internet de alta velocidade em questão, que se aproveitam de posição dominante para impingirem aos consumidores e ao mercado uma série de exigências abusivas e ilícitas.
5.1. Dos Comportamentos Anti-Concorrenciais das Operadoras de Telecomunicações
As operadoras de telecomunicações, ao obrigarem a contratação de Provedor de Acesso à Internet, que, necessariamente, deve possuir condições para “fornecer” conexão ao usuário, o faz não para atender requisitos legais contidos no art. 61, § 1º, da Lei de Telecomunicações[52], mas para exercer a sua posição dominante, concedida pelos monopólios regionais das redes de telecomunicações.
Existe uma intenção maligna por trás destes comportamentos anti-concorrenciais das empresas de telecomunicações, principalmente das 3 (Três) maiores (Telefônica, Brasil Telecom e Telemar), que é o de dominar exclusivamente o mercado de Internet, provimento de acesso e serviços. Estas empresas de telecomunicações forçam a exclusão de seus concorrentes através da predação e da negociação compulsória, que são assim explicadas por Calixto Salomão Filho, num artigo sobre o setor de telecomunicações[53]:
“O termo predação é a generalização para vários tipos de condutas de um prática muito simples. Trata-se do ato pelo qual o agente econômico, na expectativa de eliminar o concorrente do mercado, incorre prejuízos para, depois, recuperá-los através de diversas formas. Não é necessário nos alongarmos muito mais para descobrir que o caso mais típico do ilícito em questão é o dos preços predatórios.
“De forma muito sintética e abreviada pode-se dizer que a compulsoriedade consiste na determinação das condições essenciais do negócio por uma das partes contratantes em decorrência da inexistência de alternativa economicamente viável para a outra parte. A compulsoriedade pode tanto concretizar-se através da imposição de determinada negociação, como ocorre na venda casada e nos negócios recíprocos, como se realizar através da negativa de conclusão de negócio. Isso ocorre basicamente através da recusa de contratar e das cláusulas de exclusividade.”
A predação ocorre quando a operadora de telecomunicação, por deter um Provedor de Acesso, tal como a Telefônica é proprietária do TERRA, a Brasil Telecom do BRTurbo e Telemar do IG, força os provedores concorrentes a praticarem preços mais altos no “acesso” à internet de alta velocidade.
Esta prática pode ser verificada nos sites das prestadoras de STFC[54], em que de fato o valor cobrado pelos PAI das operadoras de telecomunicações é bem menor do que seus fictos concorrentes[55]. Por exemplo, o PAI Terra Networks que cobra mensalmente dos seus usuários residenciais R$ 49,55 (Quarenta e nove reais e cinqüenta e cinco centavos), enquanto que os seus concorrentes, em média, R$ 59,90 (Cinqüenta e nove reais e noventa centavos). Logicamente, dos mais de 100 (Cem) provedores habilitados, o usuário tende a seguir o de menor preço, que é o do Terra. Desta forma, concentrando os usuários do acesso à Internet de alta velocidade na dobradinha prestadora de STFC-PAI, que lucra a mais pelo seu monopólio das redes de telecomunicações.
Para corroborar ainda mais com esta tese, o presidente da ABRANET, Roque Abdo, confirma em entrevista para o Estado de São Paulo, em 10.03.2003, tal prática:
“‘A Telefônica não bloqueava quem deixava de pagar o provedor’, afirma Abdo, acrescentando que a operadora deve enviar uma correspondência alertando os usuários para acertarem suas contas com o provedor. O presidente da Abranet calcula que o provedores estão perdendo cerca de R$ 3,5 milhões em faturamento mensal com a situação, que também resulta em perdas para a operadora. Para cada grupo de cem usuários do Speedy, o provedor precisa contratar uma conexão com a Telefônica, que custa, segundo Abdo, R$ 1.276 por mês. Além disso, a operadora recebe uma participação na mensalidade paga ao provedor. O presidente da Abranet afirma que a parcela paga à Telefônica, com os impostos decorrentes, correspondem a 80% da mensalidade do provedor.”[56]
Diante disto, subsumem-se os fatos descritos acima no art. 4º da Lei n. 8.137/90, que diz:
Art. 4° Constitui crime contra a ordem econômica:
I – abusar do poder econômico, dominando o mercado ou eliminando, total ou parcialmente, a concorrência mediante:
(…)
c) coalizão, incorporação, fusão ou integração de empresas;
(…)
II – formar acordo, convênio, ajuste ou aliança entre ofertantes, visando:
(…)
b) ao controle regionalizado do mercado por empresa ou grupo de empresas;
c) ao controle, em detrimento da concorrência, de rede de distribuição ou de fornecedores.
(…)
VI – vender mercadorias abaixo do preço de custo, com o fim de impedir a concorrência;
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, ou multa.
5.1.1. Dos crimes contra a Relação de Consumo
É interessante se constatar que não há reclamação por parte dos PAI concorrentes da prestadora de STFC desta atividade predatória, pois, na verdade, eles, sem terem de realizar qualquer tipo de prestação de acesso à internet, acabam ganhando dinheiro fácil, num conluio tácito que só prejudica uma parte, o usuário. Aliás, este, na verdade, induzido por afirmações falsas e enganosas, é levado a contratar o provedor no acesso de alta velocidade, o que, como vimos acima, é desnecessário.
O consumidor fica desprotegido nesta armação de preços, vendas casadas e informações incorretas. O consumidor-usuário detém o direito, garantido pela Lei Geral de Telecomunicações e o Código de Defesa do Consumidor, às informações adequadas (preços, produtos, tarifas, condições etc.) sobre os serviços prestados, conforme determinam o art. 3º, incs. I, II e IV, da LGT, e art. 6º, inc. III, do CDC:
Art 3º O usuário de serviços de telecomunicações tem direito:
I – de acesso aos serviços de telecomunicações, com padrões de qualidade e regularidade adequados à sua natureza, em qualquer ponto do território nacional;
II – à liberdade de escolha de sua prestadora de serviço;
(…)
IV – à informação adequada sobre as condições de prestação dos serviços, suas tarifas e preços;
__
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem.
Em não sendo cumprida estas determinações de ambos os sistemas protetivos e comprovada a prestação equivocada e enganosa de informações relativas aos serviços prestados, desta forma, há de se aplicar o art. 7º, inc. VII da Lei n. 8.137/90 e art. 66, § 1º, do CDC, para todos envolvidos ativamente neste conluio, operadoras de telecomunicações e PAI habilitados por elas:
Art. 7° Constitui crime contra as relações de consumo:
(…)
VII – induzir o consumidor ou usuário a erro, por via de indicação ou afirmação falsa ou enganosa sobre a natureza, qualidade do bem ou serviço, utilizando-se de qualquer meio, inclusive a veiculação ou divulgação publicitária;
(…)
Pena – detenção, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, ou multa.
___
Art. 66. Fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir informação relevante sobre a natureza, característica, qualidade, quantidade, segurança, desempenho, durabilidade, preço ou garantia de produtos ou serviços:
Pena – Detenção de três meses a um ano e multa
§ 1º Incorrerá nas mesmas penas quem patrocinar a oferta.
5.1.2. Da negociação compulsória. A venda casada.
Sobre a negociação compulsória, operadora de telecomunicação obriga o usuário, com a contribuição preciosa da ANATEL e através de sua posição dominante, a contratar um PAI sem haver uma razão técnica que fundamente tal exigência, o que é proibido pelo art. 21, inc. XXIII, da Lei n. 8.884/94, que determina:
“Art. 21. As seguintes condutas, além de outras, na medida em que configurem hipótese prevista no art. 20 e seus incisos, caracterizam infração da ordem econômica;
XXIII – subordinar a venda de um bem à aquisição de outro ou à utilização de um serviço, ou subordinar a prestação de um serviço à utilização de outro ou à aquisição de um bem”
Cabe também citarmos a lição importante de Arruda Alvim sobre a vedação da venda casada do art. 39, inc. IV, do CDC[57]:
“No entanto, entendemos que a vedação deste art. 39, I, (ainda que implicitamente) abrange também a impossibilidade de se condicionar o fornecimento de algum serviço a serviço de terceiros, mesmo porque o texto é genérico e não faz distinção, além do que uma interpretação contrária colidiria, inexoravelmente, com os princípios que informam este Código, entre os quais avulta a liberdade de escolha do consumidor, expressamente reconhecida pelo inc. II do art. 6ª, deste Código. (…)
“Também não poderá o fornecedor prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, em razão da idade, saúde, conhecimento ou condição social deste último, para impingir-lhe produtos ou serviços. Por outras palavras, o fornecedor não poderá explorar eventual fraqueza do consumidor, advinda dessas razões mencionadas, para forçá-lo a adquirir seus produtos ou se utilizar de seus serviços (art. 39, inc. IV)”[58].
Outrossim, não é outra a conclusão, a não ser vincular tais comportamentos ilícitos aos arts. 5º, inc. II, e 7º, inc. IV, alínea c, da Lei n. 8.137/90, que sancionam:
Art. 5° Constitui crime da mesma natureza (contra a ordem econômica):
(…)
II – subordinar a venda de bem ou a utilização de serviço à aquisição de outro bem, ou ao uso de determinado serviço;
(…)
Pena – detenção, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, ou multa.
___
Art. 7° Constitui crime contra as relações de consumo:
(…)
IV – fraudar preços por meio de:
(…)
c) junção de bens ou serviços, comumente oferecidos à venda em separado;
Pena – detenção, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, ou multa.
5.2. A Responsabilização Criminal dos Agentes da ANATEL
Como foi exposto no presente trabalho, cabe a responsabilização criminal dos agentes da Agência Reguladora do setor de Telecomunicações, a ANATEL, com fundamento na Constituição Federal, Lei Geral de Telecomunicações e o Código Penal Brasileiro. Ora, tais crimes, acima elencados, cometidos pelas operadoras de telecomunicações e pelos PAI só são realizados mediante o aval e a condescendência dos agentes desta Agência, que não cumprem com as competências determinadas pelo art. 19 da LGT.
Os agentes da ANATEL, conselheiros e diretores, distorcem leis, regulamentos e normas, prejudicando os interesses dos usuários e sempre em benefício das empresas de telecomunicações, como demonstram pareceres técnicos emitidos a respeito, não só do acesso à internet em banda larga, mas em outros ítens de sua competência, deixando à deriva o avanço da sociedade da informação neste país. Por deixarem os agentes da ANATEL, mesmo diante de sua nítida competência para impedirem tais crimes, as operadoras de telecomunicações agirem desta forma, devem eles ser responsabilizados, concorrentemente, pelos mesmos ilícitos que as prestadoras de STFC e dos PAI habilitados, pois agiram em desconformidade com os princípios legais da “legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade”, tal como prescrito na Lei n. 8.429/92.
Cabe lembrar também que em razão de suas ações e omissões, a ANATEL permitiu o enriquecimento ilícito das prestadoras de STFC e dos PAI habilitados, que obrigaram a venda casada de produtos no provimento de acesso à internet aos usuários. Desta forma, aplica-se os mandamentos do art. 10 da Lei n. 8.429/92, que fulmina:
Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente:
(…)
XII – permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente
Nestas atuações da ANATEL, em desconformidade com os princípios a que deve obediência os agentes da Administração, tal como elencados no art. 4º da Lei n. 8.429/92, tipifica-se a conduta criminosa nos moldes do art. 11 do mesmo diploma:
Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:
I – praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência
A aplicação dos crimes descritos nos arts. 10 e 11 da referida Lei deverão seguir os parâmetros do art. 12, incs. II e III, abaixo descritos:
Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas, previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações:
(…)
II na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos;
III na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.
Parágrafo único. Na fixação das penas previstas nesta lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente.
Portanto, há que se impor tais penas a fim de que se preserve a saúde concorrencial do subsistema normativo das Telecomunicações e da defesa do usuário, com o fulcro primordial de se desenvolver a inclusão da população brasileira, não só para os instrumentos tecnológicos, mas também para ampliar o acesso à cultura, à educação, enfim, ao conhecimento nesta era da Informação.
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TELEMAR – www.telemar.com.br
BRASIL TELECOM – www.brturbo.com.br
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[1] O ponto 4 deste trabalho foi escrito em conjunto com Marco Aurélio Serau Júnior.
[2] Já estão proliferando decisões judiciais importantes no Brasil inteiro em que se considera ilegal a exigência da contratação de um provedor para as conexões de Speedy. Numa das causas vitoriosas neste sentido, o advogado Leonardo Yuji Sugui disse: “A decisão é mais um passo para a pacificação do entendimento de que o acesso à Internet é serviço de telecomunicação, nos termos do artigo 60 da Lei 9472/97 (Lei das Telecomunicações) e que a Telesp/Telefônica tem, sem sombra de dúvidas, capacitação tecnológica para prestar acesso irrestrito à Internet sem a necessidade de contratação de qualquer outro serviço” (fonte: Revista Consultor Jurídico de 05.08.2002)
[3] Fonte: www.abranet.com.br, acessado no dia 17.06.2003, às 16:45hs.
[4] Consta também do Dossiê ABUSAR, Tomo II, item 41.
[5] Marco Aurélio Greco, no mesmo sentido, a partir de uma análise fenomenológica do provimento de acesso à internet, conclui:
“As razões que me levam a tal convicção decorre da exposição técnica feita, e mostram que, tanto na hipótese de o conceito de serviço ser entendido a partir do tipo de atividade realizada pelo prestador, como na hipótese de sê-lo em função da utilidade obtida pelo usuário, em ambos os casos a conclusão é apenas uma: trata-se de serviço de comunicação.
“A primeira razão apóia-se na concepção de serviço em função do tipo de atividade exercida, ou seja, colocando a tônica no prestador do serviço. Desta ótica, serviço de comunicação está ligado ao fornecimento de um meio para que alguém transmita mensagens. Ora, o provedor de acesso fornece um meio diferente, um ambiente especial (= a segunda camada) que não se confunde com o ambiente que o serviço de telefonia proporciona (= a primeira camada). Telefonia é meio físico apenas, Internet é o meio lógico superposto ao físico; um é de fluxo contínuo, o outro é em pacotes; um se dá mediante conexão constante, enquanto o outro, pelo melhor caminho possível, etc. Ou seja, o serviço prestado pelo provedor é de viabilizar um ambiente específico de transmissão de mensagens com características próprias para que haja a comunicação entre terceiros.
“A segunda razão apóia-se na concepção de serviço como utilidade obtida, ou seja, colocando a tônica no usuário. Desta ótica, a utilidade proporcionada pelo provimento de acesso é permitir a transmissão de mensagens, é permitir que as pessoas se comuniquem, viabilizando um sistema de comunicação cujas utilidades estão na flexibilidade das conexões, multiplicidade de caminhos, agilidade na obtenção de informações, facilidade de transmissão, etc. Pode-se dizer que se a utilidade obtida pelo usuário em relação à operadora de telefonia é obter uma conexão com certo local, a utilidade obtida pelo provimento de acesso é a conexão com todo o mundo. Portanto, também da ótica do usuário, o provimento viabiliza utilidades novas, consistentes numa comunicação cercada de características peculiares.”(texto Provedores de Acesso e o ICMS. In Internet. Revista do Advogado da Associação dos Advogados de São Paulo, n. 69, Maio, 2003, pág. 54)
[6] Também a este entendimento chegou Guilherme von Müller Lessa Vergueiro, através da análise de Aires Barreto:
“O argumento de que o provedor de acesso não presta serviços de comunicação porque é tomador dos serviços de comunicação, não tem a menor relevância; ele toma o serviço de comunicação de uns e presta para outros, é tomador numa relação jurídica e prestador na outra relação jurídica. São dois serviços distintos. Não há dúvida de que as empresas de telecomunicações prestam serviços propiciando o suporte fixo para que se dê a comunicação entre A e B. Mas eu pergunto: esse suporte físico, uma linha telefônica, por exemplo, permite que eu acesse Internet? Não adiante, eu posso ter um mundo de telefones, inclusive os mais sofisticados, mas, nem assim, vou ter acesso à Internet, porque eu preciso de um outro prestador de serviços, também de comunicação – não de valor adicionado -, porque eu só consigo ‘entrar e navegar’ na Internet mediante um endereço lógico fornecido por esse novo prestador de serviços. É inafastável que eu tenha um IP. Isto é, um Internet Protocol. Não há como ter acesso à Internet sem um endereço lógico. E esse endereço lógico, esse veículo de comunicação que pode pôr em contato emissor e receptor, só é dado pelo provedor de acesso. Reitere-se: é preciso reconhecer a existência de dois serviços de comunicação distintos: o primeiro, prestado pelas empresas de telefonia; e, em seu interior, um serviço de comunicação, este prestado pelos provedores de acesso.” (texto A tributação do Provedor de Acesso. In Internet. Revista do Advogado da Associação dos Advogados de São Paulo, n. 69, Maio, 2003, pág. 63)
[7] Para explicar melhor o que está a se dizer, os computadores processam números e letras não reconhecendo falas e pensamentos. Todas estas informações são codificadas em números ou estruturas numéricas. Na internet existem estruturas numéricas, por exemplo, um endereço de um site qualquer, por exemplo, www.kant.com.br, o computador o lê desta forma: 200.173.122.12. Este é o endereço do site www.kant.com.br. A localização deste site www.kant.com.br é dividida entre todos os Roteadores do mundo inteiro, que reconhecem pela seqüencia numérica 200.173.122.12, transmitida pelo Roteador do Provedor que o retransmite através do Roteador da prestadora de STFC. Neste momento que o Roteador transmite a informação de que o site www.kant.com.br está hospedado no endereço IP 200.173.122.12, a fim de que todos possam acessá-lo de qualquer lugar do mundo. O Provedor de Serviços de Informações apenas divulga a sua localização.
[8] Denominação sugerida por Rogério A. B. Gonçalves, elencada no Dossiê ABUSAR, no Tomo II, item 27.
[9] Além do que, todos aqueles que quiserem ser prestadores de serviços de telecomunicações, devem se cadastrar junto à Anatel, conforme o art. 86 da LGT, que diz, “A concessão somente poderá ser outorgada a empresa constituída segundo as leis brasileiras, com sede e administração no País, criada para explorar exclusivamente os serviços de telecomunicação objeto da concessão.”
[10] router, em inglês.
[11] Quem faz este controle dos blocos é a FAPESP (http://registro.br).
[12] Ver a análise feita na nota 25.
[13] O frame-relay, abertura de quadros entre o Provedor e o usuário, é utilizado nas tecnologias de links IP, rádio, fibra ótica, satélite, rede elétrica (PLC – Power Line Connection)
[14] O IP dinâmico é aquele que o usuário, cada vez que inicia uma conexão na internet, detém um endereço lógico diferente. Numa conexão ele pode ser 200.300.566.12 e na outra ele virá como 200.300.576.18, pois todos endereços são fornecidos aleatoriamente pelo modem do Provedor de Acesso.
[15] O IP fixo, diferentemente do dinâmico, é aquele que o usuário, a cada conexão, sempre estará com o mesmo endereço lógico. O usuário de IP fixo será sempre, por exemplo, 200.300.500.12, toda a vez que estiver na internet. Existirá uma certa correlação entre o endereço lógico do usuário e a sua localização espacial, a não ser que se utilizem softwares maliciosos.
[16] texto Provedores de Acesso e o ICMS. In Internet. Revista do Advogado da Associação dos Advogados de São Paulo, n. 69, Maio, 2003, pág. 51.
[17] Aliás, não existe, em termos de segurança da informação na internet, 100% de propabilidade de não ocorrer qualquer comprometimento, ataque de vírus ou hackers aos computadores dos usuários.
[18] Tendo em vista a dificuldade de se obter maiores informações sobre os serviços de banda larga na tecnologia ADSL oferecidos por outras prestadoras de STFC do Brasil, utilizaremos neste trabalho somente a análise do produto Speedy da Telefônica Empresas de São Paulo. Contudo, nos parece que o padrão, via de regra, é o mesmo para todas as operadoras que fornecem estes serviços, não havendo maiores problemas em se adotar tal prática de análise.
[19] Kbps é abreviação de kilobyte por segundo e mbps é megabyte por segundo.
[20] Tecnicamente, o aparelho que realiza a conexão do computador do usuário até a internet não é um modem, mas sim um roteador, que gerencia a sua navegação e localiza a sua máquina (endereço lógico) na Rede.
[21] É bom sempre lembrar que os contratos analisados neste trabalho são o Speedy Home e o Speedy Business da Telefônica Empresas S.A.
[22] Daniela de Oliveira Tourinho, em opinião contrária a emitida neste trabalho, diz ao comentar o art. 4º da Norma n. 04/95:
“Nenhuma das infra-estruturas e atividades, essenciais e indispensáveis ao provimento de acesso à Internet, acima relacionadas, é fornecida ou disponibilizada pelas empresas de telefonia fixa ou pelas prestadoras de serviços de TV a cabo aos usuários e esses serviços não se confundem, evidentemente, com o meio físico de transporte de dados de alta velocidade por elas fornecido, objeto da contratação acima referida, que possibilita, como suporte, o acesso de alta velocidade à Rede Mundial. Ao contrário, o aparato de equipamentos e serviços, necessário à efetivação da interligação entre a central telefônica e a Internet, constitui encargo da empresa provedora de acesso, que cobra do usuário o preço dos seus serviços, que são prestados de modo distinto dos serviços prestados pelas empresas de telecomunicações, também remunerados pelo usuário.” (Texto Provimento de Acesso de alta velocidade na Internet, in Revista dos Advogados da Associação dos Advogados de São Paulo, n. 69, Maio, 2003, págs. 68-69). Ora, da análise das próprias palavras da prestadora de STFC e das tecnologias de conexão à internet em questão, não pode se considerar como válida a afirmação da referida autora. A prestadora de STFC, no provimento à internet de alta velocidade, fornece toda a infra-estrutura para os usuários, incluindo o endereçamento lógico (IP), manutenção da rede e dos serviços prestados de acesso. Neste caso, confunde-se numa mesma empresa a prestadora de STFC e a Provedora de Acesso, o que é preocupante se pensarmos nas possibilidades danosas para a concorrência deste setor, que fica dirigida por estes grandes conglomerados.
[23] Este traceroute está disponível no site da ABUSAR (www.abusar.org.br).
[24] Documento fotocopiado em anexo.
[25] É importante lembrar que a maioria dos usuários de banda larga no Brasil estão se utilizando da tecnologia ADSL, fornecidas pelas prestadoras de STFC.
[26] Texto Provimento de Acesso de alta velocidade na Internet, in Revista dos Advogados da Associação dos Advogados de São Paulo, n. 69, Maio, 2003, pág. 69.
[27] Existem rumores no mercado de provimento à internet em alta velocidade que autenticação do usuário pela Telefônica, em São Paulo, será realizado a cada 24 (Vinte e quatro) horas a partir de Agosto de 2003. Hoje é feito a cada 15 (Quinze) ou semanalmente, dependendo da situação.
[28] Tal reportagem consta do Dossiê ABUSAR, Tomo II, item 44.
[29] A inclusão digital, a grosso modo, é a ação complexa de entes governamentais, ONGs e particulares, que visam atingir, dentre outros, dois objetivos primordiais: prover o acesso de toda a população aos meios tecnológicos existentes, computadores e softwares, para que, entre outras coisas, se conectem com a internet, e, assim, participarem da sociedade mundial da informação, ampliando as suas perspectivas pessoais e profissionais; educar e ensinar o povo sobre como utilizarem e quais os benefícios de tais ferramentas tecnológicas no futuro.
[30] Não é outra a opinião de Alexandre D. Faraco: “A ampla reforma do setor de telecomunicações no Brasil, assim como de outros setores de infra-estrutura básica, tem como elemento basilar a introdução da concorrência em um ambiente econômico antes monopolizado. (..) Através dela procura-se garantir, por exemplo, a razoabilidade dos preços cobrados, a melhora na qualidade dos serviços e o estímulo à busca de inovações tecnológicas” (2003, p. 67).
[31] Bem determinando o novel panorama da prestação de serviços de telecomunicações no Brasil e o papel do Estado diz Carlos Ari Sundfeld que: “Telecomunicações, energia elétrica e portos são alguns dos setores em que a noção de ‘serviço público’, se algo ainda diz, diz pouco; admite-se a exploração em regime privado, por meio de autorização, não mais apenas pelas clássicas concessões; introduz-se a competição entre prestadores, suscitando a aplicação do ‘direito da concorrência’ (ou antitruste) e a interferência dos órgãos incumbidos de protegê-la” (1999, p. 161).
[32] Segundo Antônio Carlos Cintra do Amaral, “O Poder Público, que prestava diretamente o serviço, passou a regular sua prestação pela concessionário, já que a esta transferiu a obrigação de prestá-lo, mas conservou sua responsabilidade pelo cumprimento da obrigação transferida” (2003, p. 50).
[33] Fernando Herren Aguillar afirma que: “O fenômeno da liberalização econômica, que precede logicamente a globalização, impôs ao Estado ainda um novo figurino. O Estado deixa de atuar como agente econômico para ocupar o posto de agente normatizados das atividades econômicas. De prestador de serviços públicos passa a ser preferencialmente seu regulador”. Ademais, prossegue o autor, já mais especificamente quanto ao tema da liberdade concorrencial, “o princípio da livre concorrência é um direito do agente econômico em face de outro agente econômico, demandando não mais a omissão, mas a efetiva interferência estatal na economia” (1999, p. 274-275).
[34] Eros Roberto Grau, ademais, afirma que “a ‘reforma constitucional’ operada a partir de 1994, inicialmente como ‘revisão’, não comprometeu as linhas básicas da ordem econômica na Constituição de 1988” (2001, p. 211).
[35] A despeito de serem princípios, os preceitos citados não se descaracterizam como normas constitucionais, essencialmente. Ao considerá-los como normas constitucionais, cabíveis as colocações do insuperável J. J. Gomes Canotilho a esse respeito. De modo que, à liberdade concorrencial e defesa do consumidor, deve-se empregar as teses contidas no princípio da máxima efetividade, o qual “pode ser formulado da seguinte maneira: a uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê”. Também de se utilizar o princípio da força normativa da Constituição, segundo o qual “na solução dos problemas jurídico-constitucionais deve dar-se prevalência aos pontos de vista que, tendo em conta os pressupostos da constituição (normativa), contribuem para uma eficácia óptima da lei fundamental. Conseqüentemente, deve dar-se primazia às soluções hermenêuticas que, compreendendo a historicidade das estruturas constitucionais, possibilitam a ‘actualização’ normativa, garantindo, do mesmo pé, a sua eficácia e permanência”. Finalmente, merece ser citado o princípio da concordância prática, pelo qual não se permite o sacrifício de um bem jurídico em prol de outros, sendo que todos devem ser coordenados em harmonia (2001, p. 1187-1189). Os ideais constitucionais de liberdade da concorrência e proteção do consumidor devem ser implementados e maximizados conforme as proposições ora expostas. Quanto à harmonização, a liberdade de empresa não deve afastar a liberdade concorrencial e a defesa do consumidor.
[36] A competência constitucional da ANATEL para a fiscalização do sistema de serviços de telecomunicações resulta do artigo 21, XI, da Carta Magna, que assim dispõe: “Art. 21. Compete à União: (…) XI – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais”.
[37] Recurso Especial nº 323358/PR, 1ª Turma, Rel. Min. José Delgado, DJU 03.09.2001, Seção I, p. 58.
[38] A doutrina administrativista já se pronunciou acerca da questão das competências e poderes administrativos como poderes-deveres. Sobre isso, exemplificativa a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello: “…a Administração exerce função: a função administrativa. Existe função quando alguém está investido no dever de satisfazer dadas finalidades em prol do interesse de outrem, necessitando, para tanto, manejar os poderes requeridos para supri-las. Logo, tais poderes são instrumentais ao alcance das sobreditas finalidades. Sem eles, o sujeito investido na função não teria como desincumbir-se do dever posto a seu cargo. Donde, quem os titulariza maneja, na verdade, ‘deveres-poderes’, no interesse alheio”. E prossegue, afirmando que “nem mesmo satisfaz configurá-los como ‘poderes-deveres’, nomenclatura divulgada a partir de Santi Romano. Com efeito, fácil é ver-se que a tônica reside na idéia de dever, não na de ‘poder’. Daí a conveniência de inverter os termos deste binômio para melhor vincar sua fisionomia e exibir com clareza que o poder se subordina ao cumprimento, no interesse alheio, de uma dada finalidade. Ora, a Administração Pública está, por lei, adstrita ao cumprimento de certas finalidades, sendo-lhe obrigatório objetivá-las para colimar interesse de outrem: o da coletividade. É em nome do interesse público – o do corpo social- que tem de agir, fazendo-o na conformidade da intentio legis. ” (1997, p. 31 e 56-57). Não é diverso o posicionamento de Maria Sylvia Zanella di Pietro, para quem “embora o vocábulo poder dê a impressão de que se trata de faculdade da Administração, na realidade trata-se de poder-dever, já que reconhecido ao poder público para que o exerça em benefício da coletividade; os poderes são, pois, irrenunciáveis” (2002, p. 86). Adotando-se como premissa a idéia defendida pelos ilustres Professores, verifica-se que a ANATEL desdenha de sua competência funcional, a qual não é meramente poder, mas fundamentalmente dever-poder. Não cumpre, dessa forma, sua missão constitucional de realizar a regulação e fiscalização de um determinado segmento de mercado, com vistas ao interesse público e à proteção dos escopos constitucionais mais imediatos: liberdade de concorrência e defesa do consumidor.
[39] Como bem explica Renault de Freitas Castro, “Diz-se que uma firma tem poder de mercado ou posição dominante num certo mercado quando ela tem capacidade de agir com independência em relação a concorrentes e até a consumidores ou clientes, principalmente com relação à fixação dos preços do bem ou serviço produzido e à imposição de outras condições de negociação. A análise da existência de posição dominante requer, portanto, a prévia definição do mercado onde atua a empresa estudada, o chamado mercado relevante, conceito que, simplificadamente, abrange o grupo de produtos ou serviços razoavelmente semelhantes ao que se estuda (mercado relevante em termos de produto/serviço) e a área onde atuam, em bases razoavelmente semelhantes, os produtores/fornecedores de um determinado bem uo serviço (mercado relevante em termos geográfico)” – grifos nossos (2002, p. 3-14).
[40] Leciona Jacintho de Arruda Câmara que “o referido diploma legal institui expressa e claramente o regime de competição como princípio a ser seguido na regulamentação do setor”, sendo necessário, para tanto, a “implementação de instrumentos que propiciem a existência de um mercado competitivo, com a garantia da universalização na prestação do serviço” (1999, p. 184).
[41] Pedro Dutra tem outra opinião: “Que o poder de mercado em mercados regulados revela-se diverso, essencialmente, em relação aos mercados não regulados, a doutrina demonstra claramente. E, note-se, ainda, que a posição dominante ostentada pelas Concessionárias no mercado de STFC (Serviço Telefônico Fixo Comutado) tem extração legal: foi-lhes outorgada pelo poder concedente, nos termos das normas disciplinadoras do processo de privatização e da LGT.” Ora, não há como se admitir tal argumentação hobbesiana. O limite do poder concedente deve estar subsumido aos desígnios da norma constitucional e infraconstitucional, que determinam o combate ao abuso de poder econômico, a livre iniciativa, a livre concorrência e da defesa do consumidor. Portanto, o poder concedente não pode autorizar aquilo para o que não possui respaldo constitucional. A defesa da concorrência, do consumidor e da livre iniciativa são princípios constitucionais inatacáveis, que deverão ser respeitados por todos os entes, principalmente os governamentais. Adotar-se exegese diversa seria dar as costas ao fato de que o poder concedente atuou arbitrariamente, fora dos parâmetros constitucionais atinentes à matéria. Diante disto, propõe-se à ANATEL e ao CADE o uso de sua competência, a fim de imprimir a correção dos excessos do poder concedente, com base nos mecanismos legais a eles concedidos pelos arts. 20 e 54 da Lei n. 8.884/94.
[42] Jacintho de Arruda Câmara lembra que “sem uma forte intervenção estatal nesta área, a competição torna-se praticamente impossível. Primeiramente, em virtude dos altos custos que envolvem a construção e instalação de uma rede de telecomunicações; tal fato demanda a necessidade do máximo aproveitamento dos recursos existentes, inclusive por terceiros, que não os proprietários das redes” (1999, p. 187).
[43] Arriscamos dizer que talvez a verdadeira intenção da Reforma Constitucional, ao romper o monopólio estatal na área de telecomunicações não tenha sido a efetiva melhora nos padrões de qualidade na prestação dessas utilidades. Nisto não estamos sozinhos, podendo se nos amparar no porto seguro do Prof. Eros Roberto Grau: “A nova redação conferida ao preceito, que menciona singelamente serviços de telecomunicações, refere simplesmente a autorização, concessão ou permissão dos serviços, o que importa que possam vir ser privatizados. Este terá sido, seguramente, o objetivo maior visado pelo Poder Executivo na proposição da reforma constitucional, em coerência com o programa neoliberal e de internacionalização econômica. O interesse das multinacionais sobretudo na telefonia celular é bem marcante, articulando-se com grande eficiência” (2001, p. 315).
[44] Para um estudo mais aprofundado sobre o tema do compartilhamento de redes, v. Pedro Dutra (2002, p. 15-47).
[45] Importante ressaltar que a rede de telecomunicações mantêm essa qualidade de ser essencialmente “pública”, pois, como ensina Antônio Carlos Cintra do Amaral: “o serviço continuou a ser público. Privatizado foi o seu exercício” (2003, p. 50). Com isso, não se pretende um regresso ao modelo ultrapassado, eminentemente estatal, mas quer-se destacar que todo o uso econômico da rede física de telecomunicação deve ser pautado por uma perspectiva publicizante, no sentido de que sua utilização não corresponda à sua apropriação por um único ente privado. Ademais, não é de somenos importância rememorar-mos, com Fernández Vázquez, que os bens públicos são “inalienables, insusceptibles de propiedad privada, imprescritibles e inembargables” (1981, p. 73). No mesmo sentir a lição de Bandeira de Mello, para quem bens públicos são aqueles “afetados à prestação de um serviço público” (1997, p. 556).
[46] “A Internet está ameaçada – Serviço de banda larga precisa ser regulamentado”, O Estado de S. Paulo, 07.12.2002.
[47] Revela-se a mesma preocupação quanto à ineficácia das agências reguladoras, o Prof. Antônio Carlos Cintra do Amaral argumenta que “o desafio não consiste em extingui-las ou substituí-las, mas sim em melhor definir suas atividades e torná-las mais eficientes e eficazes” (2003, p. 52).
[48] Ofício da ANATEL n. 2068 DPDC/SDE/MJ, de 03.05.02, in Dossiê ABUSAR, Tomo I, item 12.
[49] A Agência Reguladora, como órgão técnico especializado da área, tem consciência das alterações tecnológicas existentes e da sua ação para a permissão de tais atos por parte de prestadoras de telecomunicações e Provedores de Acesso, tal como demonstra um dos consideranda da Resolução n. 272/01, que diz, “CONSIDERANDO o contínuo desenvolvimento tecnológico das plataformas que suportam a prestação dos serviços de telecomunicações, a possibilidade da prestação de serviços multimídia em banda larga pelos operadores de telecomunicações e as várias solicitações encaminhadas à Anatel para a regulamentação de um serviço que materialize a convergência tecnológica”
[50] A fim de confirmar esta tese, uma das primeiras empresas a requerer o Serviço de Comunicação Multimídia foi a TELEFÔNICA EMPRESAS S.A., tal como descrito no Ato da ANATEL n. 26.117, de 7 de Junho de 2002. Esta operadora de telecomunicações multinacional, também prestadora de Serviços Telefônico Fixo Comutado (STFC), em São Paulo, foi a primeira a fornecer acesso à Internet na tecnologia ADSL no Brasil. Aliás, este serviço fornecido pela Telefônica Empresas motivou a formulação e a criação deste Serviço de Comunicação Multimídia (SCM), a fim de liberar a atuação irregular desta e de outras operadoras (Brasil Telecom, Telemar e GVT), que seguiram os seus passos nestes serviços.
[51] Ver texto de Marco Aurélio Greco, Provedores de Acesso e o ICMS. In Internet. Revista do Advogado da Associação dos Advogados de São Paulo, n. 69, Maio, 2003.
[52] Aliás, analisando-se os arts. 60 e 61 da LGT, existe entre eles uma complementaridade que está estritamente relacionada com o fenômeno tecnológico das telecomunicações e com a interpretação teleológica do ordenamento jurídico, em que o principal não se confunde com o acessório que apenas o segue e o utiliza como suporte, conforme o art. 92 do Novo Código Civil, que diz:
Art. 92. Principal é o bem que existe sobre si, abstrata ou concretamente; acessório, aquele cuja existência supõe a do principal.
[53] in Regulação e Concorrência, estudos e pareceres, págs. 26-27.
[54] O da Telefônica é www.speedy.com.br, o da Brasil Telecom é www.internetturbo.com.br e o da Telemar é www.veloxzone.com.br.
[55] No site da ABUSAR existe um tabela de preços entre provedores: http://www.abusar.org.br/pagina.cgi?provspeedy.html, que confirmam a tese ora colocada.
[56] Texto consta do Dossiê ABUSAR, Tomo II, item 44.
[57] Ver este artigo no item 4.2.2 deste trabalho.
[58] Ação Civil Pública do Ministério Público Federal, de autoria do Promotor Pedro Antonio de Oliveira Machado, in Dossiê ABUSAR, Tomo I, item 5.