A regulação das Big Techs depende de uma mudança de postura dos governos e indivíduos sobre o papel das novas tecnologias. O escritor e especialista em tecnologia Evgeny Morozov afirma que deve ser uma demanda para todos os países regulamentarem os espaços de conhecimento e inovação visando colocá-los à serviço do bem-estar público
Diversos países ao redor do mundo se propõem a seguir o caminho da regulamentação das mídias sociais e de grandes corporações de tecnologia. No entanto, segundo o pesquisador belarusso Evgeny Morozov, os países deverão ir além de aprovar marcos legais de gestão de novas tecnologias e precisam desenvolver um novo modo de encarar as tecnologias, menos mercadológico e mais focado em gerar benefícios concretos à sociedade.
Segundo o estudioso, que discursou esta semana em São Paulo durante evento promovido pelo Comitê Gestor da Internet do Brasil (CGI.br), os governos nacionais precisam se apropriar cada vez mais dos espaços tecnológicos de forma a reduzir o poder de influência das Big Techs sobre a opinião pública e o tecido social. Isso deve ser feito a partir da governança de conhecimentos gerados na academia e controlar o acesso das companhias a essa base.
Isso seria uma maneira de combater a ideia de “solucionismo” criada por Morozov. Por essa visão, as empresas consideram a tecnologia algo benéfico por si só, e apenas através de um modelo mercantilizado de produção de saberes e inovações, o mundo seguirá desenvolvendo novas técnicas digitais a serviço da humanidade.
Todavia, essas tecnologias são geralmente construídas e alimentadas por conhecimentos de domínio público, vendidas de volta à sociedade civil e aos governos como sendo algo inovador. Isso, nas palavras de Morozov, cria uma relação de dependência das nações às Big Techs, a partir de uma escassez artificial de ciência, respondida pela promessa de abundância digital.
“Não há nada mais pertinente para o mundo hoje além de entender que avanço tecnológico não se traduz, necessariamente, em progresso social. Se nossos sistemas críticos como saúde, defesa, transporte, educação ou segurança pública acabarem sendo ditadas por soluções vendidas por corporações como a OpenAI, veríamos repercussões monumentais de dependência e risco às informações e ao estilo de vida dos cidadãos”, explicou Morozov em sua palestra.
O especialista ainda ressalta a necessidade de os países discutirem as melhores formas de tornarem públicos esses ambientes tecnológicos e digitais segundo suas realidades específicas. Na visão dele, os governos precisam compreender os espaços de inovações como um universo único, onde novas tecnologias podem ser cultivadas a serviço do bem-estar público e da qualidade de vida.
A partir disso, organizações não governamentais, empresas e startups poderiam se beneficiar dessas conquistas por meio de seus próprios investimentos, considerando seu poder aquisitivo. “O Estado é necessariamente um agente facilitador das inovações, a partir de seu poder de controle sobre as estruturas de mercado. No meio digital, essa realidade não pode ser diferente, e a sociedade precisa reivindicar isso”, complementa.
Para caminhar em direção a esse cenário, todavia, há um longo caminho político a se percorrer, incluindo também as regulamentações sobre internet, inovação e novas tecnologias, de forma a traçar os limites do controle governamental. Morozov ainda aponta a grande influência das Big Techs sobre a opinião pública, o que certamente será usado para preservar a sua posição atual.
No entanto, tais medidas de regulamentação e comando sobre os avanços tecnológicos serão cruciais na preservação da soberania de todos os países, em especial os emergentes, como o Brasil. Nesses casos, garantir a aplicação das inovações em favor do bem público poderá incentivar maiores avanços da ciência digital interna dos países e os ajudará a vencer a dependência crônica das nações desenvolvidas digitalmente.
“Portanto, soberania tecnológica não é apenas um produto nacionalista, mas uma política pragmática essencial aos países de desenvolvimento tardio, como os BRICS. Todos nós precisamos de tais políticas para atender a visão de uma sociedade democrática, igualitária e justa. Caso contrário, continuaremos enriquecendo Hedge Funds de grandes corporações tecnológicas, sem nenhuma garantia de benefício à sociedade”, encerra Morozov.
Fonte:
https://www.securityreport.com.br/sociedade-precisa-reivindicar-regulacao-das-big-techs-diz-especialista-em-tecnologia/