Competência e conteúdo são pedras de toque na regulamentação da internet brasileira.
Ministra Rosa Weber, presidente do STF, marcou julgamento de ações que discutem temas afetos ao marco civil da internet para o próximo dia 17.
Enquanto isso, no Legislativo, o PL 2.630/20, de autoria do senador Alessandro Vieira, foi suspenso pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, e não tem nova data para votação.
Este é o pano de fundo dos debates atinentes à regulamentação da internet no Brasil. A disseminação de fake news, principalmente durante as eleições de 2018, e discursos de ódio na internet, que fundamentaram ataques armados a escolas brasileiras, aqueceram ainda mais o debate.
Nesse contexto, Legislativo e Judiciário disputam o protagonismo na construção de uma torre de ideias que não deveria ser competitiva, mas colaborativa. O que está em jogo nesta torre de babel da contemporaneidade?
Judiciário
No STF, estão pautados dois temas de peso a respeito da regulação do espaço virtual. Eles têm como pano de fundo a lei 12.965/14 – o conhecido marco civil da internet.
O Tema 533 – afeto ao RE 1057258, de relatoria do ministro Fux, discute se é dever da empresa hospedeira fiscalizar conteúdo publicado na internet e retirá-lo do ar quando considerado ofensivo, sem intervenção judicial.
Ou seja, trata da extensão do poder-dever das próprias plataformas sobre o conteúdo nelas veiculado.
Já o Tema 987, relativo ao RE 1037396, de relatoria do ministro Dias Toffoli, discute a constitucionalidade do art.19 do marco civil da internet.
Na redação atual, o artigo estabelece a responsabilização de provedores, hospedeiros de websites e gestores de redes sociais por danos decorrentes de atos ilícitos de terceiros, apenas se esses atores se omitirem após ordem judicial determinando a exclusão do conteúdo. Trocando em miúdos: discute-se a abrangência da responsabilização.
Os julgamentos, portanto, irão trazer decisões significativas a respeito da extensão de responsabilidade das plataformas pelo conteúdo e por danos a terceiros. Além disso, o Supremo poderá definir se as plataformas devem ter uma postura ativa na remoção de conteúdo ou se deverão agir só quando notificadas.
Esses temas também são essenciais no PL 2.630/20, chamado de PL das fake news.
Legislativo
O PL 2.630/20 ganhou regime de votação de urgência em 26/4, de modo que a votação deveria se dar em 2/5.
Entretanto, após pedido do relator, deputado Orlando Silva, e consulta aos líderes partidários, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, suspendeu a votação sine die.
O teor do PL já foi debatido em audiências públicas desde 2020 e modificado diversas vezes. Atualmente, a convergência entre liberdade de expressão e regras de moderação e transparência é um dos temas mais sensíveis no PL.
Para que tal imbróglio fosse solucionado, seria essencial saber a abrangência do termo fake news, a qual não foi expressa no bojo do projeto. Trata-se do calcanhar de aquiles do PL. Não há um conceito fechado. Por isso, é tão tênue a linha entre coibir o falso e censurar uma opinião.
Outro ponto que trava as discussões do PL é a amplitude da responsabilização.
As plataformas, por óbvio, gostariam que a responsabilidade fosse aplicada com mais robustez aos usuários, que criam ou compartilham as notícias.
Por outro lado, Maurício Moura, fundador da IDEIA Big Data, defende que monitorar indivíduos não é uma boa saída, pois cria um precedente perigoso. O ideal seria identificar quem financia o sistema de notícias.
Ou seja, percebe-se que o mecanismo da disseminação das fake news está respaldado nas plataformas, pois são meios usados para alcançar desígnios dos financiadores e dos indivíduos que as disparam nas redes.
Nesse sentido, outra questão debatida no PL é como responsabilizar de forma técnica. Apesar de haver consenso a respeito da necessidade de transparência, não é pacífico o cabimento de agência reguladora governamental como fiscal da lei.
Orlando Silva, relator do PL, após pressão das redes, retirou trecho do projeto que legislava nesse sentido.
E muito embora o órgão regulador esteja ainda em construção, o fato é que já existe no Congresso Nacional um órgão criado pelo constituinte originário que, com pequenas alterações legislativas, possa ser capaz de, legitimamente, cumprir esse mister.
Com efeito, a Constituição Federal de 1988, antevendo imbróglios envolvendo a comunicação, previu a criação do Conselho de Comunicação Social (art. 224), com composição tripartide, e com condição suficiente de realizar a missão reguladora, sem resvalar no perigo de cercear a sagrada liberdade.
Marco civil da internet x PL 2.630/20
O marco civil da internet foi importante para estabelecer princípios, garantias, direitos e deveres no uso da internet no Brasil, determinando, também, diretrizes de atuação dos entes federativos com relação ao tema.
Por se tratar de lei com quase dez anos, na rapidez dos tempos, ela é considerada insuficiente por alguns especialistas. As mudanças no cenário virtual são mais velozes do que o moroso processo de atualização legislativa.
Ademais, deve-se ressaltar que em 2014 o Brasil ainda não passara pela avalanche das fake news, principalmente a visualizada no cenário eleitoral de 2018.
O PL 2.630/20, por sua vez, institui a lei brasileira de liberdade, responsabilidade e transparência na internet. Pretende, em termos gerais, garantir a segurança e ampla liberdade de expressão, comunicação e manifestação do pensamento, por meio de regras de transparência para provedores de redes sociais e serviços de mensagens privadas.
Em termos de objetivos, o PL e a o Marco Civil têm relação muito próxima. O Legislativo pretende regular definitivamente as plataformas, aprimorando e ampliando o estabelecido pelo marco civil.
Na via judiciária, há chance de se declarar a inconstitucionalidade de artigos do marco civil da internet e aumentar – ou diminuir – a responsabilidade dessas empresas.
Como justificativas à necessidade de uma nova lei de regulação da internet, Renata Mielli, representante da Coalizão Direitos na Rede, constata que o marco civil não teve como foco a moderação de conteúdos na internet, sendo necessárias mais regras e obrigações para que as plataformas possam exercer a tarefa de moderação de forma mais transparente e com maior previsibilidade.
De outro lado, algumas das grandes plataformas defendem a suficiência de medidas já existentes e da legislação já aprovada. Natália Neris, representante do Twitter, acredita que o Brasil deve manter e reforçar os princípios do marco civil da internet.
Os objetivos mais amplos do PL preocupam os grandes players da internet, principalmente as redes sociais, que recentemente compraram uma segunda briga com o Judiciário.
Google e Telegram, por exemplo, na tentativa de manifestar insatisfação com o PL, publicaram cartas aos usuários difamando as intenções do projeto.
Tais atitudes foram combatidas: as plataformas foram obrigadas a retirar a desinformação do ar, sob pena de multa. O Judiciário considerou a iniciativa das plataformas como abuso de influência.
Uma estrutura cambaleante
O julgamento dos recursos pelo STF, no próximo dia 17, definirá parâmetros de constitucionalidade intimamente relacionados aos objetivos do PL das fake news.
E o que o STF disser poderá pressionar o Legislativo a modular o conteúdo no projeto de lei.
Será algo às avessas, como uma ação de “pré-constitucionalidade”, servindo de baliza aos legisladores.
Fonte: Parecer proferido em plenário ao projeto de lei nº 2.630, de 2020, e apensados.
Fonte:
https://www.migalhas.com.br/quentes/386540/na-regulacao-da-internet-o-que-se-ve-e-uma-babel-de-poderes